Tarifaço de Trump ameaça exportações brasileiras: CNA estima prejuízo bilionário e cobra ação diplomática urgente
Suco de laranja e carne bovina lideram os impactos; economistas apontam riscos e oportunidades diante do protecionismo americano e defendem avanço do acordo Mercosul-UE
O Brasil pode perder bilhões de dólares em exportações ao mercado norte-americano após o tarifaço anunciado por Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos e pré-candidato à Casa Branca. O aumento de tarifas sobre produtos brasileiros, anunciado nesta semana, levou a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) a emitir um alerta ao governo federal e pedir atuação imediata por vias diplomáticas.
Segundo a CNA, a sobretaxa de 10% imposta por Trump compromete a pauta exportadora do agronegócio brasileiro, especialmente dois produtos estratégicos: suco de laranja e carne bovina.
“Deve-se explorar a via negociadora com os EUA para mitigar as tarifas e alcançar benefícios mútuos. A retaliação só deve ocorrer após esgotados todos os canais diplomáticos”, afirma a entidade em nota.
Principais produtos impactados
A nova alíquota de 10% será aplicada sobre produtos que já sofrem tributação nos EUA. O suco de laranja, por exemplo, que era taxado em 5,9%, passará a ser tributado em 15,9%. Segundo a CNA, o Brasil exportava aproximadamente 1 bilhão de litros por ano do produto aos Estados Unidos. Com as novas medidas, esse volume pode cair para 261 milhões de litros, uma retração de 74%.
Na carne bovina, o impacto também será severo: a tarifa passará de 33% para 43%. O volume exportado pode cair de 73 mil toneladas para 45 mil toneladas, uma redução estimada em 38%.
Outros produtos também devem sofrer perdas:
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Cana-de-açúcar
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Álcool (etanol)
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Arroz
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Feijão
A CNA reforça que esses itens são altamente sensíveis à variação tarifária e fundamentais para o saldo da balança comercial brasileira com os EUA.
Fala de especialista: perdas podem superar US$ 3 bilhões
Para o economista agroindustrial José Roberto Mendonça, a medida é especialmente grave porque afeta setores em que o Brasil tem forte liderança global.
“A sobretaxa atinge os produtos onde o Brasil já é líder absoluto de mercado. Não há margem para compensar essas perdas em curto prazo. O impacto pode ultrapassar US$ 3 bilhões em um ano”, estima Mendonça.
Segundo ele, o Brasil responde por 90% do suco de laranja resfriado e mais de 60% da carne bovina processadaimportados pelos EUA. “Esse não é um mercado substituível em semanas. Se não houver reação diplomática rápida, o prejuízo será duradouro”, afirma.
Diplomacia antes da retaliação
O Congresso Nacional aprovou nesta semana o Projeto de Lei 2088/2023, que institui a chamada Lei da Reciprocidade Comercial. O texto permite ao Brasil retaliar países que impuserem barreiras consideradas desleais às exportações nacionais. A proposta aguarda sanção presidencial.
Apesar disso, a CNA repudia a retaliação imediata e defende atuação prioritária via Itamaraty:
“O Brasil precisa manter sua imagem como parceiro comercial confiável e defensor do livre comércio. O momento exige estratégia, não impulsividade.”
O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) confirmaram que não descartam levar o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC), mas reforçaram que o objetivo inicial é tentar reverter as tarifas por negociação direta com Washington.
Acordo Mercosul-União Europeia como alternativa estratégica
Para o economista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Adalmir Marquetti, o tarifaço de Trump pode se transformar em oportunidade, caso o Brasil amplie sua política de comércio exterior e avance em novos acordos comerciais multilaterais.
“Esse é o momento de implementar o acordo Mercosul-União Europeia. O Brasil deve reagir com inteligência, buscando novos parceiros, e não apenas produtos agrícolas ou minerais, mas com maior valor agregado”, argumenta Marquetti.
Ele elogia as recentes viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Japão e ao Vietnã, países com alto potencial de expansão comercial.
“Temos uma balança comercial superavitária, mas uma balança de serviços deficitária. Esse acordo pode beneficiar ambas e reduzir nossa dependência de mercados vulneráveis a decisões unilaterais, como os EUA sob Trump.”
Panorama das exportações brasileiras aos EUA
Segundo a CNA, o Brasil exportou US$ 12,1 bilhões em produtos para os Estados Unidos em 2024. Os EUA foram o terceiro maior destino do agronegócio brasileiro, atrás apenas da União Europeia e da China.
Os principais produtos exportados ao mercado americano foram:
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Café verde
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Celulose
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Suco de laranja
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Carne bovina in natura
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Açúcar de cana bruto
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Etanol
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Madeira processada
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Sebo bovino
A CNA ressalta que o Brasil detém participação dominante em várias dessas cadeias:
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90% do suco de laranja resfriado importado pelos EUA
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51% do suco de laranja congelado
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63% da carne bovina termo processada
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75% do etanol
Conclusão: diplomacia, cautela e reposicionamento estratégico
O tarifaço anunciado por Trump escancara a vulnerabilidade das exportações brasileiras diante de decisões unilaterais de parceiros comerciais. Enquanto o agro nacional enfrenta riscos concretos de perda de receita, especialistas apontam caminhos alternativos: a intensificação da diplomacia econômica, a aprovação de acordos comerciais estratégicos como o Mercosul-União Europeia e o incentivo à exportação de bens com maior valor agregado.
“O Brasil tem espaço para ocupar mercados que outros países deixarão ao retaliarem os EUA. O momento é crítico, mas também pode ser estratégico”, finaliza o professor Adalmir Marquetti.