Aparecida

Decisão de cidades não fecharem prejudica as vizinhas

Em obediência ao decreto estadual 14×14, o prefeito de Goiânia, Rogério Cruz (Republicanos), decretou lockdown em março de 2021 para tentar conter uma explosão de casos de Covid-19 no município. A medida foi eficaz na redução do número de doentes e de mortos pela infecção nas semanas seguintes, mas os hospitais não esvaziaram. A taxa de ocupação dos leitos de terapia intensiva ontem, 22, ainda era de 81,09%, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás.
O caso de Goiânia ilustra as dificuldades de prefeituras que endureceram as restrições de circulação, mas não conseguiram desafogar o sistema de saúde porque as cidades vizinhas, como é o caso de Aparecida e Trindade, não seguiram as mesmas estratégias e permitiram que o vírus continuasse circulando. O impacto de uma região em outra acontece porque a maioria das cidades não está preparada para atender casos complexos (como casos graves de Covid-19 que precisam de ventilação mecânica), e a população precisa buscar ajuda em outros municípios ou Estados.
Por causa dessa organização do Sistema Único de Saúde (SUS) em redes de atendimento que, muitas vezes, não obedecem aos limites político-administrativos dos Estados e municípios, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) defenderam em nota técnica no começo de abril que os gestores de regiões vizinhas atuem em conjunto na definição de políticas de fechamento ou de reabertura das atividades.
No estudo, os especialistas advertiram os gestores para atuarem em conjunto para conter a proliferação da pandemia no País. “Nenhum município é completamente independente e as medidas isoladas podem causar ainda mais desorganização no sistema de saúde. Mesmo os maiores municípios, que em geral detêm toda a estrutura de atendimento para procedimentos de alta complexidade, fazem parte de uma rede que atende outros municípios que a compõem. Se considerarmos os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), 741 municípios possuem estrutura para atendimento de casos graves de Covid-19 em UTI”, diz o estudo.
De acordo com a pesquisa, “decisões isoladas em alguns municípios podem, além de trazer o aumento de casos nesses municípios, provocar a ocupação dos leitos compartilhados dentro dessa rede de atenção à saúde, deixando toda a população dessa rede sem atendimento e consequentemente demandando pacientes para as redes vizinhas”.
Os pesquisadores da Fiocruz defendem o SUS e salientam que o sistema segue na organização da rede para atendimento. “O SUS já segue a organização da rede para atendimento, tanto que essa análise de fluxos de pessoas chegou às macrorregiões utilizando apenas os dados de Covid-19. Outras iniciativas, como a análise desenvolvida pelo Infogripe, por exemplo, já trazem a análise de ocupação hospitalar na perspectiva dessas unidades de análise.”
Ainda aos gestores, os cientistas da Fiocruz frisam que eles devem “considerar essas redes de atenção, sejam seus municípios importadores ou exportadores de casos graves que necessitam de internação, o que eventualmente pode envolver áreas de Estados diferentes. Esses gestores locais estão sujeitos à pressão de alguns setores econômicos pela abertura de atividades”.
Como consequência, a Fiocruz aponta que “compartilhar essas decisões permite gerir o difícil equilíbrio entre demanda e oferta de serviços, bem como informar a população sobre como se estruturam essas redes e a importância de se compreender que o problema é compartilhado entre setores e municípios, assim como as medidas de reforço do sistema de saúde e controle da pandemia, que dependem de um esforço conjunto de sociedade.
Em fevereiro último, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), ameaçou fechar a divisa com Goiás devido à busca de atendimento por goianos com Covid-19 na capital federal. Ele pediu ao governador Ronaldo Caiado (DEM) que cuidasse de sua população.
“Sem leitos e hospitais, [Goiás] transfere a obrigação de cuidar de sua população a nós, do DF. Não me furto a essa missão, mas está chegando a um ponto em que a gente precisa chamar a atenção do governador”, disse Ibaneis. Caiado reagiu dizendo que as declarações causavam “repúdio” e “nojo” e revelavam egoísmo e falta de “empatia”.
Na última segunda-feira, 19, o governador de Goiás voltou a tocar no assunto ao divulgar em suas redes sociais que seu Estado havia vacinado cerca de 15 mil moradores do Distrito Federal. Ele pediu reciprocidade no tratamento a cidadãos goianos que buscam a vacina na capital federal.

Aparecida e Trindade seguiram na contramão do decreto estadual

Os municípios de Aparecida e Trindade seguiram na contramão do decreto estadual 14×14, insistindo no modelo de isolamento intermitente por regiões – que não suspende o funcionamento das atividades econômicas não essenciais por 14 dias e sim, apenas por suspensão de dias por semana, mais o sábado e o domingo. Segundo especialistas, o padrão adotado pelo prefeito Gustavo Mendanha (MDB) não interrompe o ciclo do coronavírus, que vai de dois a 14 dias, daí a justificativa científica para o revezamento 14×14 baixado pelo governo do Estado.
Além de Aparecida, o prefeito Marden Jr (Patriota), de Trindade, também colocou a cidade no regime de isolamento intermitente por regiões. A divergência com Goiânia, onde o prefeito Rogério Cruz adotou o decreto estadual, levou a distorções na estratégia de combate à Covid-19, já que a região metropolitana, a mais populosa de Goiás, compõe um núcleo urbano praticamente homogêneo.
Não é difícil entender onde estava o erro do modelo adotado pelo prefeito Gustavo Mendanha e copiado pelo prefeito de Trindade. O ciclo da Covid-19 dura, em média, duas semanas. É exatamente por isso que os setores mais dinâmicos da economia e da sociedade precisam ser paralisados ou reduzidos durante, pelo menos, esse tempo.
O prefeito Gustavo Mendanha foi o único a administrar uma cidade goiana com mais de 100 mil habitantes (Aparecida tem 600 mil moradores) onde as medidas contra a pandemia foram flexíveis e permitiram o funcionamento integral do comércio, indústria e serviços, diariamente, em mais da metade da sua circunscrição territorial, com alternância.
Aparecida tem a maior taxa de incidência do novo coronavírus dentre os municípios com mais de 100 mil habitantes em Goiás, com aumento também no número diário de mortes (de duas por dia em dezembro para oito por dia em março), enquanto o sistema de saúde municipal esteve praticamente colapsado em quase todo mês passado, sem disponibilidade de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou até mesmo de enfermaria para atender os pacientes.
Apesar dos números, a Prefeitura de Aparecida disse que o modelo de abertura escalonada do comércio, indústria e serviços teria ajudado a estabilizar o avanço da doença, porém o que se vê desde dezembro é o aumento das mortes diárias na cidade. Com cenas chocantes mostradas em edições passadas do Diário de Aparecida nos cemitérios locais, exibindo sequência de valas abertas para receber caixões – em dezembro, eram cerca de duas mortes por dia, índice que se manteve em janeiro; em fevereiro subiu para aproximadamente cinco mortes por dia, e em março superou oito mortes por dia.
Um dos fatos polêmicos com relação às falhas do isolamento social em Aparecida é que os motéis foram considerados atividades essenciais pela prefeitura e continuam funcionando normalmente. E ainda as feiras livres, como a do Setor Garavelo, também autorizadas pela prefeitura, acabaram virando cenário de aglomerações, uma situação de risco, já que o índice de ocupação de UTIs na cidade ainda é alto. (E.M.)

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