Nova Lei de Improbidade beneficia quem já está respondendo a processo
Caso o Senado aprove a nova Lei de Improbidade que passou pela Câmara na semana passada, todos os agentes públicos que estão sendo investigados por ações anteriores à mudança serão beneficiados.
Segundo o Código Penal, toda vez que há lei posterior menos dura que a vigente, ela tem que beneficiar a quem já está sendo acusado. Ninguém pode ser julgado de forma mais rígida a partir do momento em que há uma mudança na legislação, conforme é tradição em todos os países do mundo.
A nova Lei de Improbidade determina que se comprove a intenção de lesar a administração pública para que a acusação seja formalizada pelo Ministério Público. Ou seja, é preciso comprovar que o agente público agiu para se beneficiar de alguma forma. A lei anterior punia a forma culposa de improbidade administrativa, ou seja, ela punia o agente público que, por desatenção, imperícia ou falta de conhecimento técnico, cometia um ato de improbidade, mas agora isso vai mudar.
A mudança na lei abre brechas para que a administração seja prejudicada diante da falta de punição, avaliam especialistas e professores de Direito. Quando se trata de um agente público, que lida com administração pública, a sanção a quem administra sem cuidado, caracterizando uma forma culposa de delito, não deveria ser excluída. Será aberto um precedente perigoso. Mas a maioria dos políticos está a favor, inclusive o presidente Jair Bolsonaro.
O presidente chegou a chamar a atuação de membros do Ministério Público de “lamentável”, e lembrou que prefeitos de cidades pequenas enfrentam processos por suspeitas de corrupção muitas vezes sem nenhuma comprovação ou justificativa.
Caso o Senado aprove a lei que passou pela Câmara – se a tendência é aprovar –, só será punido o agente público quando for identificada a sua intenção de lesar o erário. “Isso abre uma larga discussão, porque quando você lida com várias pessoas da administração, fica difícil identificar quem queria cometer um ato de improbidade para prejudicar e levar vantagem”, dizem os entendidos da matéria.
Políticos se dividem a favor e contra o novo texto da lei
A principal mudança introduzida pela nova Lei de Improbidade diz respeito à necessidade de dolo para configurar o crime de improbidade administrativa: só poderão ser punidos pelo crime os gestores públicos que provocarem prejuízo ao erário com intenção de cometê-lo e não apenas a culpa.
Atualmente, gestores públicos podem ser condenados por improbidade mesmo que não se comprove que tiveram a intenção de causar dano aos cofres públicos, ou seja, “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa”, é passível de punição, o que significa, em tese, que um gestor poderia ser processado e condenado por um prejuízo mesmo que não tenha tomado nenhuma atitude, bastando se comprovar que ele poderia agir e não o fez.
Para os defensores do projeto, a lei nos moldes em que existe traz insegurança aos gestores e precisa ser atualizada, já que as regras atuais deixam uma ampla margem de interpretação sobre o que é um ato de improbidade administrativa.
Já para os críticos, há a perspectiva do enfraquecimento do combate à corrupção. Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), a mudança é negativa: “O relatório legaliza a negligência na administração pública. Políticos que cometam erros grosseiros com a coisa pública passam a ter imunidade. É um escárnio”, afirma.
“Houve banalização de processos”, diz Vanderlan, que vai votar favoravelmente
Vanderlan Cardoso, do PSD, é um dos senadores que promete votar favoravelmente ao novo texto da Lei de Improbidade Administrativa. Ex-prefeito de Senador Canedo por dois mandatos, ele foi alvo de pelo menos quatro ações de improbidade administrativa – que sempre considerou “absurdas” e “injustas”.
Vanderlan defende abertamente a mudança na legislação. Para ele, houve “banalização de processos” e alguns pontos da lei precisam “ser consertados”.
Segundo Vanderlan, “muitas vezes não tem dolo, não teve prejuízo ao erário, mas você tem que ficar respondendo por isso”, argumenta, citando o seu próprio caso.
Uma das ações de improbidade em que o senador é réu apura irregularidades no convênio com escolinhas esportivas de R$ 250 mil, quando foi prefeito de Senador Canedo. Ele afirma que o convênio beneficiou centenas de alunos da rede de educação municipal, foi regular e teve aval do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Ao todo, 37 dos atuais senadores respondem a ações penais e ou por improbidade – um deles chegou a ser condenado a 2 anos e 8 meses de prisão por peculato, mas a pena estava prescrita. O levantamento foi feito pelo jornal O Estado de S. Paulo nos Tribunais de Justiça dos Estados, na Justiça Federal, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Veja as três principais mudanças
1 Descrição dos atos de improbidade
A lei atual é muito genérica sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação. O novo texto da lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência interpretativa da lei.
2 Forma culposa de improbidade
A lei em vigor estabelece que atos culposos do gestor público em que houve imprudência, negligência ou imperícia podem ser objeto de punição. No projeto que será votado no Senado vai ficar apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Isso deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei.
3 Titular da ação
O Ministério Público e outros órgãos públicos, como a Advocacia-Geral da União (AGU) e as procuradorias municipais, podem apresentar as ações de improbidade à Justiça, atualmente. Mas, na nova lei, o Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações, segundo a proposta já aprovada na Câmara dos Deputados e agora em apreciação no Senado.