Cidades

Em Aparecida, ocupantes do Alto da Boa Vista sonham com uma vida melhor, apesar do futuro incerto

Área particular e de preservação ambiental pode ser regularizada ou desocupada

 

Dalva não tem esperança a curto prazo: “Vejo bairros com 30, 40 anos na mesma situação”.

Por: Luciana Brites

 

 

Ao lado da Vila Delfiori, em Aparecida de Goiânia, a ocupação Alto da Boa Vista fica em uma área particular e de preservação ambiental, aos pés da Serra das Areias. No local falta tudo, menos esperança de dias melhores. As ruas e lotes são bem demarcados, mas a poeira confirma que o asfalto ainda não faz parte da realidade do lugar. Fios emaranhados, emoldurados pelo céu cinzento de setembro, são prova de que a energia elétrica só chega às casas, pobres e improvisadas, por causa de emendas e gambiarras. As cisternas e fossas estão em algumas casas, num local em que nem mesmo o básico – água e coleta de esgoto – está acessível a todos.

Dona Dalva conta que furar uma cisterna é caro para a maioria e isso leva duas ou mais famílias a se associarem para cavar um só poço, para atender a todos. “Só assim pra todo mundo ter (água). A gente se ajuda como pode”. Cuidando da netinha de 1 ano e 8 meses, ela conta que teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral) recentemente e, com isso, vários problemas de saúde já existentes foram agravados. Diz que não recebe nenhum benefício e a única renda da casa é a do marido, que é forrador e trabalha em eventos.

Por incrível que pareça, Dalva tem saudades dos tempos mais agudos da pandemia. Ela, que fazia trabalhos esporádicos como diarista, e o marido ficaram sem ocupação, mas tiveram muita solidariedade. “Recebemos de tudo: cesta básica, roupas, produtos de higiene. Tivemos muita ajuda, muita solidariedade. E também ficamos sabendo que não viriam mandar a gente sair daqui”, lembra.

Ela admite que o local é uma invasão, mas não gosta do termo. “Fica pesado falar assim mas, infelizmente, essa é a verdade. A gente veio pra cá porque não tinha pra onde ir nem condições de pagar aluguel”, resume. No assentamento há quatro anos, ela diz que espera por melhorias, mas acredita que vai ter que esperar bastante. “Não adianta ter pressa. Tem bairro aí que tem 30, 40 anos e tem os mesmos problemas que a gente aqui. Eu acredito que vai demorar muito ainda”.

Duas torres de internet estão instaladas no início e no fim da Rua da Paz, onde mora Lílian e os filhos. Os rapazes, um com 25 e outro com 26 anos, têm problemas mentais e desde pequenos precisam dos cuidados da mãe em tempo integral. Um deles tem o hábito de se automultilar  e o outro tem surtos esquizofrênicos. Os dois ficam o dia inteiro em um quarto feito de lona preta, enquanto a mãe faz o que pode para manter em ordem o pequeno barraco de madeira. Da cisterna compartilhada sai a água para todos os afazeres do dia a dia.

 

 

Lílian sonha com uma casa bonita e com quintal, para viver com os dois filhos

 

 

Lílian sonha em ter “uma casinha bonita, arrumada”, pra ela e os filhos, com um quintal onde possa plantar algumas flores. “Ia ser bom demais se eu conseguisse”, diz.  Sempre atenta à saúde dos filhos, ela conta que já correu com eles para o hospital em várias ocasiões. Em todas teve que contar com a ajuda dos vizinhos. “Eu acho que o SAMU nem vem aqui, nem adianta chamar. Eu, pelo menos, nunca tentei”, admite.

Com uma pasta cheia de exames e laudos em mãos, Lílian diz que precisa de uma cirurgia de vesícula, já autorizada e não realizada, por falta do risco cirúrgico. A esperança está nas equipes da Secretaria de Assistência Social, que visitam o bairro com frequência. “Tem uma (assistente social) até que ficou de me ajudar a conseguir um benefício pros meus filhos. Aí eu contei do meu problema e ela ficou de tentar resolver também”, adianta.

 

 Desocupações suspensas até o fim do período eleitoral

 

A área, além de particular, é de preservação ambiental e desde a ocupação, em 2018, os proprietários pedem a desocupação e a reintegração de posse. Até o final das eleições, porém, os moradores podem respirar aliviados.

Em 30 de junho passado o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 9 votos a 2, prorrogar a suspensão de despejos e desocupações até o dia 31 de outubro deste ano, após o fim do período eleitoral. O Ministro Barroso decidiu, em junho de 2021, suspender ordens de remoção e despejo por seis meses, por conta da pandemia de covid-19.

Na mesma época, a Defensoria Pública de Goiás e a prefeitura de Aparecida firmaram acordo no qual as famílias não seriam removidas para abrigos provisórios e sim para locais com infraestrutura e moradia adequados.

Respostas

Em nota, a Secretaria de Habitação de Aparecida informa que está em fase de elaboração um projeto de lei para a implantação de um loteamento municipal, com capacidade de abrigar mais de mil famílias em vulnerabilidade social. A nota informa ainda que a Secretaria de Assistência Social e de Saúde, em ações conjuntas, estão atendendo as demandas imediatas do Alto da Boa Vista, com distribuição de cestas básicas, visitas de Agentes Comunitários de Saúde e de assistentes sociais. Para finalizar, informa que os cadastros dos programas sociais e de moradia estão atualizados e todos os moradores do local participarão dos sorteios de moradia popular, assim que eles voltarem a ser realizados.

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