A Câmara aprovou nesta terça-feira o projeto de lei que regulamenta o Novo Ensino Médio. O texto, que já passou por uma votação anterior pelos deputados e outra pelo Senado, agora será enviado para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A votação passou por duas etapas. Uma votação sobre o mérito da iniciativa, tal como estava no Senado, que alcançou amplo apoio, com 437 favoráveis a 1, algo que aconteceu pelo fato de o texto dos senadores ter angariado mais votos dos parlamentares de esquerda. A outra etapa foi para analisar as mudanças feitas pela Câmara, que foi aprovada de maneira simbólica, sem registro nominal dos votantes.
A iniciativa passou por uma série de adiamentos e mudanças. Ao longo do processo, o Ministério da Educação teve dificuldades para chegar a um entendimento com os parlamentares. Por conta das divergências, o conteúdo do texto passou por diversas idas e vindas.
A versão mais recente do relatório do deputado Mendonça Filho (União-PE) foi apresentada mais cedo nesta terça. O parecer trouxe mudanças em relação ao que foi aprovado no Senado em junho. Entre as principais modificações feitas pelo deputado estão a derrubada do espanhol como disciplina obrigatória e menos critérios para o ensino à distância.
Um dos principais temas de discordância em relação ao projeto dizia respeito à carga horária da formação geral básica, que diz respeito às disciplinas obrigatórias a todos. O governo não queria uma redução excessiva dessa carga horária, que era desejada por uma ala do Congresso.
Na outra Casa a relatora foi a Professora Dorinha Seabra (União-TO), que mesmo sendo do mesmo partido de Mendonça, não chegou a acordo com ele sobre pontos do projeto.
A senadora havia inicialmente definido 2,2 mil horas para a formação geral básica, mas depois, a pedido do governo, recuou e retomou as 2,4 mil horas estabelecidas pela Câmara.
“Houve, de fato, um amplo debate, uma discussão sobre o número de horas da chamada formação geral básica. Chegamos a um entendimento com o Ministério da Educação. O ensino médio regular terá 2.400 horas de formação geral básica. E, para aqueles estudantes que optarem pelo itinerário técnico-profissional, serão ofertadas 2.100 horas, o que viabiliza a educação técnica para os jovens, principalmente, aqueles que estão nos grandes centros urbanos”, disse Mendonça Filho.
Como é o projeto que regulamenta o Novo Ensino Médio?
Formação geral básica: O desejo do governo, de 2,4 mil horas, para a formação geral básica prevaleceu. Nesta modalidade, o currículo de disciplinas clássicas será entre 1,8 mil e 2,1 mil horas, dependendo do tamanho da carga horária do ensino profissionalizante.
Na formação geral básica estão: as disciplinas tradicionais, Português e Matemática (as únicas obrigatórias), Geografia, História, Química, Física, Biologia, etc. É a parte do currículo que todos da escola precisam fazer igual.
Nos itinerários formativos: em tese, são para aprofundar o conhecimento nas áreas de interesse dos alunos.
Currículo: a formação geral básica segue a matriz da Base Nacional Comum Curricular, mas cada estado decide quantas horas quer dar de cada disciplina. Já os itinerários não possuem uma matriz de referência — cada rede oferece da forma que achar melhor.
Espanhol: Governo defendia a disciplina como obrigatória, mas será de oferta optativa.
A Câmara retirou do trecho que fala sobre o ensino à distância o ponto que citava “casos de excepcionalidade emergencial temporária reconhecida pelas autoridades competentes”, deixando a regulamentação mais genérica, abrindo a possibilidade de ensino a distância ser aplicado “excepcionalmente”, mas sem especificar e deixando a definição a cargo do “regulamento elaborado com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino”.
O relatório aprovado pelos deputados retira a restrição para a regra de profissionais com notório saber. O Senado havia definido que isso só se daria em “caráter excepcional e mediante justificativa do sistema de ensino, conforme regulamentação do Conselho Nacional de Educação e respectivo Conselho Estadual de Educação”, mas o trecho foi retirado.
Estabelece uma transição para o Enem, que só terá as novas regras aplicadas a partir de 2027.
Apesar de o relatório ter passado por um acordo com o governo, que orientou a favor do projeto, o texto foi alvo de críticas de parte da base de esquerda do Poder Executivo.
“A relatora, senadora Professora Dorinha Seabra, havia colocado uma trava de 70% da carga horária total para a formação geral básica. O relator, aqui na Câmara, derrubou essa trava, ou seja, pode ter uma ampliação dos itinerários formativos sobre as horas ministradas e recebidas pelos estudantes brasileiros”, reclamou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
“Caiu também o tema que dizia que era em caso de excepcionalidade emergencial temporária o ensino a distância. Ora, para que se utilize esse modelo de ensino à distância precisa haver uma justificativa de casos excepcionais. Derrubando esse aspecto, dá-se um salvo-conduto para que ministrar uma série de disciplinas fundamentais pode ser não pelo ensino presencial, mas o ensino à distância”, se queixou também a deputada.
O relatório de Mendonça, divulgado hoje, foi a quinta modificação do texto durante a longa tramitação que se arrasta desde outubro do ano passado.
Na primeira vez que passou pela Câmara, o ministro da Educação, Camilo Santana, conseguiu chegar a um acordo com Mendonça só depois de passar por vários embates com o parlamentar, que foi ministro da Educação do governo do ex-presidente Michel Temer e responsável pelo projeto que levou ao modelo adotado atualmente.
A ampliação da carga horária deve ser implementada em 2025 para alunos que cursarem os itinerários — parte do currículo em que o estudante escolhe o que cursar — de aprofundamento das áreas de conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Naturais).
De acordo com o texto, esse acréscimo de 600 horas — em relação às 1,8 mil horas atuais da formação geral básica — será de aprofundamento nas áreas do conhecimento propostas na Base Nacional Comum Curricular, articuladas às diretrizes de aprofundamento a serem elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação.
Já aos alunos do ensino técnico, o proposto é que a carga horária de formação geral básica cresça a partir de 2025 para no mínimo 2,2 mil horas, com possibilidade de aproveitamento integrado de 200 e 400 horas do tempo dos itinerários nas disciplinas tradicionais.
A partir de 2029, a carga horária total do ensino médio precisaria crescer para os estudantes do ensino técnico, passando de 3 mil horas para 3,2 mil, 3,4 mil e 3,6 mil horas, a depender dos cursos. Nesse formato, o estudante cursaria 2,4 mil horas de formação geral básica mais 800, 1 mil ou 1,2 mil horas de cursos técnicos.
De acordo com a versão do texto que foi aprovada nesta terça, o formato do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) também retornou ao que a Câmara havia aprovado em março.
O Senado definiu que ele seria pautado apenas na formação geral básica. No entanto, o relatório de Mendonça retira essa definição, estabelecendo que ela deverá ser ajustada ao novo formato do ensino médio a partir de 2027, quando o modelo reformulado completará seu primeiro ciclo, com alunos que entrarão nele em 2025 se formando em 2027, e avaliar tanto a formação geral básica quanto os itinerários.
Há a perspectiva que ele seja definido com um dia de prova para a parte fixa do currículo e outro para medir o conhecimento dos estudantes do itinerário escolhido.
Por outro lado, algumas mudanças feitas pelo Senado foram acatadas pelo relatório aprovado pela Câmara. Uma delas foi a retirada do Ministério da Educação como responsável pela elaboração das diretrizes nacionais para os itinerários, prevendo o aprofundamento de cada uma das áreas do conhecimento. A responsabilidade passou a ser do Conselho Nacional de Educação.
A falta de uma definição clara do conteúdo a ser trabalhado nos itinerários foi apontada como um dos principais problemas do Novo Ensino Médio. De acordo com especialistas, isso gerou trilhas de aprendizados que muitas vezes não tinham consistência pedagógica, eram consideradas genéricas e abriu caminho para disciplinas como “Brigadeiro Gourmet” e “O que rola por aí”.
Durante a tramitação no Senado, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) publicou uma carta aberta afirmando que deseja a aprovação do projeto no Senado Federal “nos termos em que foi aprovado na Câmara dos Deputados”.
“O texto da Câmara é o consenso possível dos temas mais polêmicos. Por isso defendemos ele. Como volta para lá, os deputados podem reestabelecer o que foi aprovado. Algumas mudanças do Senado trouxeram preocupações adicionais”, afirmou Vitor de Angelo, presidente do Consed.
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