Justiça em xeque: “Chamei os delegados da PF de romancistas”, diz Demóstenes Torres ao defender ex-comandante da Marinha no STF
Ex-senador e procurador de Justiça, Demóstenes atua na defesa de Almir Garnier e questiona materialidade das acusações da PGR. Sessão pode transformar Bolsonaro e aliados em réus por tentativa de golpe de Estado.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira, 26 de março, o julgamento que pode tornar réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados civis e militares acusados de envolvimento em uma suposta tentativa de golpe de Estado. Entre os denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) está o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, cuja defesa é conduzida pelo advogado e ex-senador Demóstenes Torres.
Com uma sustentação marcada por ironia, embasamento técnico e críticas ao trabalho investigativo da Polícia Federal, Demóstenes classificou parte do inquérito como “ficção” e afirmou que “chamou os delegados de romancistas”. A atuação do advogado goiano tem como objetivo central demonstrar a ausência de justa causa para o recebimento da denúncia contra Garnier, argumentando inconsistência jurídica e falta de provas materiais que liguem o ex-comandante à tentativa de ruptura institucional.
Ponto a ponto: o que diz a defesa de Garnier
A sustentação oral apresentada na terça-feira, 25, apontou quatro pontos centrais de questionamento da defesa:
1. Nota conjunta dos comandantes militares
Garnier é acusado de ter assinado uma nota, a mando de Bolsonaro, junto aos comandantes do Exército e da Aeronáutica, com o objetivo de desestabilizar o processo eleitoral e dar respaldo a manifestantes. A defesa argumenta que, se não houve imputação de crime aos demais signatários do documento, é ilegal individualizar a conduta de Garnier como criminosa. “O mesmo fato não pode ser crime para um e indiferente para outros”, disse Demóstenes.
2. Emprego das tropas da Marinha
Outro ponto da denúncia afirma que o almirante teria colocado tropas à disposição do ex-presidente. Torres rebateu a narrativa com base em depoimentos de testemunhas arroladas pela própria acusação. “O objetivo era pacificar, não golpear”, afirmou. Em tom irônico, comentou que uma das testemunhas que implicaria Garnier sequer estava presente: “estava dando uma palestra em Pirassununga”.
3. Reuniões e o silêncio como anuência
A PGR sustentou que o silêncio de Garnier em reunião de 14 de dezembro de 2022 representaria anuência ao plano golpista. O advogado contestou o argumento comparando-o a outros episódios: “em 5 de julho houve outra reunião, com dois comandantes que também ficaram calados, e não se considerou que anuíram ao golpe”.
4. Publicações em redes sociais
Por fim, a denúncia menciona comentários de terceiros em redes sociais que imputariam a Garnier a intenção de usar as Forças Armadas em benefício de Bolsonaro. Demóstenes minimizou o conteúdo e atacou o relatório da PF: “os delegados inventam situações. Isso não é prova. Isso é romance policial”.
Avaliação da defesa: “Situação de Garnier é boa”
Apesar da gravidade das acusações, o advogado declarou ao Jornal Opção que enxerga “boa perspectiva” para seu cliente. “Na prática, a situação do Garnier é boa”, afirmou. O ex-senador também avaliou que as manifestações dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin não surpreenderam, classificando os votos como “esperados”.
Com experiência no Ministério Público de Goiás e no Senado Federal, Demóstenes busca sustentar a tese de que o processo contra o ex-comandante da Marinha carece de justa causa, especialmente ao se basear em indícios frágeis ou atos praticados por terceiros.
Entenda a acusação
A denúncia da PGR, acolhida parcialmente pela Primeira Turma do STF, aponta a existência de uma “organização criminosa civil-militar” que, entre o fim de 2022 e o início de 2023, teria articulado um golpe de Estado para reverter o resultado das eleições presidenciais vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva.
Almir Garnier é apontado como o único dos três comandantes militares que teria efetivamente colocado tropas à disposição do ex-presidente. A acusação o vincula ao planejamento de medidas concretas para impedir a posse de Lula, entre elas o uso das Forças Armadas para fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
A PGR sustenta ainda que Garnier participou de reuniões deliberativas com civis, incluindo Bolsonaro, em que se discutiam hipóteses de decretação de Estado de Sítio ou uso do artigo 142 da Constituição para legitimar uma intervenção militar.
Decisão e próximos passos
A sessão desta quarta-feira deve concluir a votação do recebimento da denúncia, o que transformaria formalmente os acusados em réus perante o STF. Se a denúncia contra Garnier for aceita, ele responderá ao processo ao lado de Bolsonaro, Filipe Martins (ex-assessor internacional), Valdemar Costa Neto (presidente do PL), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-GSI), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Tércio Arnaud (ex-assessor especial).
O caso deve ter desdobramentos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e em ações penais correlatas, e pode impactar diretamente a elegibilidade de Bolsonaro e aliados em futuras disputas eleitorais.