Política

STF torna Bolsonaro e aliados réus por tentativa de golpe: julgamento histórico coloca democracia à prova

Decisão inédita da Corte atinge militares e civis ligados ao ex-presidente; investigação revela articulação para ruptura institucional. Especialistas veem mudança de paradigma nas relações entre poder civil e Forças Armadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, nesta quarta-feira (26), aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete nomes de sua alta cúpula política e militar. A decisão transforma Bolsonaro em réu por tentativa de golpe de Estado, em um dos processos mais sensíveis da história republicana desde a redemocratização.

O julgamento foi conduzido pela Primeira Turma da Corte e representa um marco judicial e simbólico, ao posicionar pela primeira vez um ex-presidente democraticamente eleito como réu formal por tentar suprimir a ordem constitucional. A denúncia foi oferecida pelo procurador-geral Paulo Gonet em fevereiro, com base nos documentos, atas, e-mails e gravações obtidos a partir de operações da Polícia Federal.

Quem são os oito réus?

Além de Bolsonaro, tornaram-se réus:

  • General Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa;

  • General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;

  • Almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;

  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;

  • Filipe Martins, ex-assessor internacional da Presidência;

  • Marcelo Câmara, tenente-coronel e assessor de Bolsonaro;

  • Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal.

A denúncia inclui crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada e dano qualificado. A peça central da acusação é o suposto “núcleo político-militar” que, segundo a PGR, articulou um plano de subversão após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.

Documentos e o plano “verde-amarelo”

Entre as evidências estão o esboço de um decreto de estado de defesa no TSE, encontrado na casa de Anderson Torres, e atas de reuniões ministeriais que detalham a intenção de envolver as Forças Armadas em uma intervenção para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os documentos fazem parte de uma estratégia denominada “Plano Verde-Amarelo”, segundo apuração da PF, que incluía ações de desinformação, quebra institucional e, em sua forma mais extrema, execuções políticas.

Segundo os investigadores, o plano previa até mesmo a eliminação física do presidente eleito e do ministro Alexandre de Moraes — hipótese não confirmada, mas citada em mensagens interceptadas e em depoimentos de delatores.

Quatro especialistas analisam impacto da decisão

“É a maior inflexão institucional desde a Constituinte de 1988”

Ricardo Barbosa, professor de Direito Constitucional da USP

“Trata-se da maior inflexão institucional desde a Constituinte de 1988. A responsabilização de um ex-presidente e de parte da cúpula militar significa que a democracia brasileira amadureceu o suficiente para enfrentar seus próprios fantasmas autoritários. A decisão não é apenas jurídica — ela é política, histórica e moral.”

“O bolsonarismo entrou em rota de fragmentação”

Mariana Almeida, cientista política da FGV

“A virada de réu formal enfraquece Jair Bolsonaro como ativo político. Setores do Centrão já se articulam nos bastidores para promover nomes alternativos à direita tradicional, como Tarcísio de Freitas e Romeu Zema. O bolsonarismo, ainda forte nas redes, pode sofrer processo de fragmentação interna.”

“Defesa deve questionar materialidade, mas clima social dificulta estratégia”

Paulo Mendes, advogado criminalista e professor da UFRJ

“A defesa tentará atacar a materialidade dos documentos e o vínculo direto entre Bolsonaro e o suposto plano golpista. No entanto, o contexto social e as imagens dos atos de 8 de janeiro ainda estão muito vivos. Isso pode pesar no convencimento popular e na pressão institucional para condenações.”

“Militares no banco dos réus: erosão da autoridade simbólica”

Luciana Silva, analista de Defesa da UnB

“É inédito ver três oficiais generais sendo responsabilizados penalmente por atentado ao regime democrático. O julgamento provoca uma erosão na autoridade simbólica das Forças Armadas, que precisarão, nos próximos anos, passar por uma reconstrução de imagem institucional.”

Ponto de virada na relação entre Forças Armadas e política

A presença de militares entre os réus evidencia a extensão da politização das Forças Armadas durante o governo Bolsonaro. Historicamente refratários à judicialização de suas condutas, os altos comandos agora enfrentam o peso de provas documentais que revelam a utilização da máquina castrense para fins políticos. A Corte deixou claro que não irá tolerar “quarteladas modernas” nem tentativas de tutela militar sobre os poderes civis.

Reações no Congresso e no Planalto

Líderes do Centrão adotaram tom cauteloso. Arthur Lira (PP-AL) declarou que “respeita as decisões do STF, mas confia no contraditório”. Já o presidente Lula, em nota do Palácio do Planalto, afirmou que “a democracia brasileira passa por um teste de fogo, e as instituições têm respondido com firmeza e serenidade”.

Próximos passos: o rito do julgamento

Com a aceitação da denúncia, inicia-se a fase de instrução criminal. Serão ouvidas testemunhas, analisadas novas provas e autorizadas diligências. A expectativa é que o julgamento definitivo ocorra entre o final de 2025 e o início de 2026. Caso condenados, os réus podem enfrentar penas que ultrapassam 30 anos de prisão.

Cenário internacional acompanha julgamento com atenção

Veículos como The Guardian, Le Monde, El País e The New York Times repercutiram a decisão como um “divisor de águas na América Latina”. Governos europeus e entidades multilaterais, como a ONU e a OEA, também acompanharam o processo como um termômetro do compromisso brasileiro com a democracia constitucional.

Fernanda Cappellesso

Olá! Sou uma jornalista com 20 anos de experiência, apaixonada pelo poder transformador da comunicação. Atuando como publicitária e assessora de imprensa, tenho dedicado minha carreira a conectar histórias e pessoas, abordando temas que vão desde política e cultura até o fascinante mundo do turismo.

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