Alta de 180% no preço do cacau pressiona mercado de chocolates e muda hábitos de consumo às vésperas da Páscoa
O preço do cacau disparou cerca de 180% nos últimos dois anos no mercado internacional, reflexo de colheitas prejudicadas em grandes produtores africanos como Costa do Marfim e Gana, instabilidade climática e gargalos logísticos. Esse cenário já impacta diretamente o mercado de chocolates no Brasil e em Goiás, afetando desde os grandes fabricantes até pequenos empreendedores e consumidores finais.
No Brasil, embora a expectativa seja de aumento da produção em 2025, especialmente nos estados do Pará e da Bahia, os efeitos da crise internacional já se fazem sentir na indústria e no varejo, com repercussões no bolso do consumidor e nas estratégias de negócios.
Produção global sob pressão
De acordo com Letícia Barony, assessora técnica da Comissão Nacional de Fruticultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a quebra de safra nos maiores produtores africanos vem afetando a oferta global. “As ondas de calor e seca na Costa do Marfim e os atrasos na recuperação da produção em Gana impuseram uma instabilidade que deve perdurar em 2025. Isso afeta diretamente a formação dos frutos e a oferta do produto”, afirma.
Segundo dados da International Cocoa Organization (ICCO), a safra 2023/2024 apresentou um déficit de 374 mil toneladas. É o maior desequilíbrio entre oferta e demanda desde 1978.
Brasil pode se beneficiar, mas enfrenta desafios
Com mais de 90% da produção nacional concentrada na Bahia e no Pará, o Brasil aparece como o sexto maior produtor mundial de cacau. Para o agrônomo e pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Dr. Alexandre Pedreira, o país vive uma oportunidade estratégica. “Se o Brasil conseguir manter o crescimento da produção com qualidade, pode ocupar parte desse espaço no mercado internacional. Mas isso exige tecnologia, irrigação eficiente e manejo adequado”, afirma.
A CNA projeta aumento das safras nos próximos anos, especialmente com novos investimentos no oeste baiano, norte de Minas e oeste do Pará. A expansão, no entanto, esbarra em desafios logísticos e falta de incentivo à agroindustrialização.
Indústria goiana sente o impacto
A indústria de chocolates em Goiás, embora não seja produtora de cacau, depende fortemente da matéria-prima. Segundo o economista industrial Marcos Roriz, do Instituto Mauro Borges (IMB), o impacto do aumento de custos afeta diretamente pequenas e médias empresas locais. “O chocolate é um produto altamente sensível a variações de insumos. Como não é essencial, a elasticidade da demanda é alta. Pequenas marcas goianas já sinalizam retração de 15% a 20% nas encomendas para a Páscoa”, diz.
Essa percepção é compartilhada pela empresária Aline Costa, proprietária de uma doceria em Aparecida de Goiânia: “Tive que reduzir minha linha de ovos de Páscoa. O preço do chocolate subiu tanto que fiquei com medo de não conseguir vender. Estou apostando em trufas e bombons menores, com embalagens simples”.
Consumidor adapta hábitos
A alta nos preços tem afetado diretamente o comportamento do consumidor goiano. Pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) aponta que os ovos de chocolate ficaram, em média, 14% mais caros neste ano, e as colombas pascais, 5%.
A secretária executiva Tatiane Moreira, de Goiânia, conta que reduziu o número de presentes neste ano: “Antes eu comprava ovos para toda a família. Esse ano optei por bombons artesanais. Ficou mais barato e ainda valorizo o trabalho local”.
Empreendedores se reinventam
A chef confeiteira Dayane Cristin, moradora de Osasco (SP), é citada em reportagem da Agência Brasil como exemplo de adaptação. Em Goiás, histórias similares se multiplicam. A microempreendedora Amanda Rabelo, de Goiânia, viu nos kits personalizados uma saída criativa: “Ao invés do ovo grande, comecei a vender caixas com trufas, cookies e bombons. Faço uma entrega mais afetiva e menos cara”.
Em Aparecida de Goiânia, o confeiteiro Carlos Henrique reforça: “Não dá mais para competir com as grandes marcas. Meu diferencial é o sabor, a qualidade dos ingredientes e o toque artesanal. Tento manter os preços acessíveis, mesmo que o lucro seja menor”.
Setor tenta mitigar impacto com tecnologia
Letícia Barony, da CNA, destaca que a aplicação de novas tecnologias no cultivo e na cadeia produtiva pode ser chave para a recuperação. “Processos como a fermentação, a quebra do cacau e o armazenamento estão sendo otimizados. O uso racional da mão de obra e a redução de perdas também são essenciais”.
O engenheiro de alimentos Gabriel Moura, do IF Goiano, avalia que o setor precisa repensar o modelo de produção: “O Brasil precisa investir em cacau fino, com rastreabilidade e valor agregado. Isso pode tornar o setor mais competitivo mesmo em cenário adverso”.
Relações internacionais e estratégia de longo prazo
Os impactos da crise também despertaram o interesse da diplomacia brasileira. Em 2024, a ApexBrasil participou de missão técnica em Gana, Costa do Marfim e Nigéria, com objetivo de firmar acordos de cooperação tecnológica. “Apesar de concentrarem 60% das lavouras, esses países ficam com apenas 6% da renda. É preciso pensar em como tornar essa cadeia mais justa”, defende a especialista em comércio exterior Ana Carolina Mesquita.
Perspectivas para o mercado goiano
O presidente do Sindicato das Indústrias de Confeitos e Chocolates de Goiás (Sicog), Eduardo Batista, projeta cautela: “A Páscoa será um termômetro. O comportamento do consumidor vai ditar os rumos para o Dia das Mães e outras datas importantes. Se os preços continuarem subindo, vamos ver retração mais acentuada no segundo semestre”.
Apesar do cenário desafiador, há otimismo moderado. A engenheira de produção e professora da UEG, Eliane Moura, acredita que o setor pode sair mais forte: “Crises como essa obrigam empresas a inovar. Goiás tem criatividade, mão de obra qualificada e um mercado consumidor exigente. Quem se adaptar rápido, sobrevive”.