Proposta de anistia a golpistas acirra tensões no Congresso e mobiliza sociedade civil em 2025
Clima de tensão política, manifestações populares e disputas entre bancadas expõem os desafios da democracia no Brasil
A proposta de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 reacendeu o debate sobre os limites da tolerância institucional frente a ataques à democracia. Dois anos após a invasão das sedes dos Três Poderes, o Congresso Nacional se vê dividido diante de pressões antagônicas: de um lado, parlamentares da oposição, que tratam a anistia como pauta prioritária; de outro, juristas, líderes religiosos progressistas, movimentos sociais e entidades da sociedade civil que denunciam a tentativa de “absolver o golpismo”.
“A anistia virou divisor de águas no Congresso. A reação pública e os posicionamentos dos parlamentares indicam que este será o teste político do semestre.”
❱❱ Rejeição entre juristas: “Com democracia não se brinca”
Um dos pontos centrais da resistência à proposta vem do campo jurídico. Para especialistas em Direito Constitucional, anistiar crimes contra o Estado Democrático de Direito não apenas compromete a credibilidade das instituições, como também abre um precedente perigoso.
“Anistiar atos golpistas é negar os próprios fundamentos da Constituição de 1988. Com democracia não se brinca”, afirmou Gustavo Sampaio, professor da UFF. A opinião é compartilhada por diversos magistrados, membros do Ministério Público e defensores públicos, que classificam a medida como um “retrocesso institucional”.
A OAB Nacional ainda não se pronunciou oficialmente, mas conselheiros federais ouvidos reservadamente apontam preocupação com a possibilidade de se consolidar um “clima de impunidade programada”.
❱❱ Bancadas divididas e bastidores em ebulição
No Congresso, o tema virou um campo minado. Parlamentares da extrema-direita, especialmente do PL e parte do Republicanos, trabalham para acelerar a votação da anistia. A estratégia tem sido a obstrução sistemática da pauta para forçar a tramitação do requerimento de urgência.
Do outro lado, o PT e partidos do centro progressista, como PSB, PDT e Rede, resistem à proposta e defendem prioridade para projetos de recuperação econômica, como o novo marco fiscal e a reforma tributária setorial. Mesmo entre partidos tidos como centristas, como PSD e União Brasil, a anistia provoca divisão. Deputados do PSD afirmam que “não há consenso interno” e que o tema “exige cautela” para não comprometer a imagem pública da legenda.
Nos bastidores, interlocutores do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), indicam que ele vê a proposta como de “baixa prioridade”, o que gerou frustração entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
❱❱ Pressão das ruas: mobilizações tomam Brasília e redes sociais
Na última semana, um ato unificado na Esplanada dos Ministérios reuniu mais de 50 mil pessoas, entre representantes de centrais sindicais, associações de juristas, organizações religiosas e movimentos sociais. Com palavras de ordem como “Golpe não se anistia” e “Democracia não se negocia”, o evento foi marcado pela pluralidade: de católicos e evangélicos progressistas a indígenas, estudantes e artistas.
A mobilização teve forte repercussão nas redes sociais, com hashtags como #SemAnistia, #8DeJaneiroNãoEsquece e #JustiçaPelaDemocracia entre os assuntos mais comentados no X (ex-Twitter) e no Instagram. Vídeos com depoimentos de familiares de vítimas da ditadura militar e juristas viralizaram ao denunciar a proposta como “reedição simbólica da Lei da Anistia de 1979”.
❱❱ O fator Bolsonaro e o cálculo político da oposição
A insistência na anistia é tratada como parte da estratégia de sobrevivência política de Jair Bolsonaro e de seu entorno. Impedido de concorrer nas eleições de 2026 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente articula, por meio de sua base, a tentativa de desmobilizar juridicamente os processos criminais que envolvem ex-ministros, militares e influenciadores bolsonaristas.
Fontes do PL indicam que a proposta de anistia serviria também como gesto simbólico para manter a fidelidade da base mais radical, que tem pressionado por uma “reparação” contra o que consideram uma “perseguição judicial”.
Analistas políticos, porém, avaliam que a aposta pode sair pela culatra. “Trata-se de uma proposta que agrada a base mais ideológica, mas afasta o eleitor de centro e aumenta o isolamento político do ex-presidente”, observa a cientista política Esther Moreira, da UFRJ.
❱❱ Projeção de tramitação e cenário para abril
Até o momento, o requerimento de urgência da proposta de anistia não obteve o número mínimo de assinaturas. Caso avance, a expectativa é que a proposta passe pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ainda em abril, com relatoria a definir. O Planalto acompanha a movimentação com cautela e articula, por meio da base aliada, para evitar que a matéria ganhe corpo.
Apesar da pressão da oposição, a leitura geral entre lideranças partidárias é de que a proposta não deve avançar no curto prazo. A impopularidade da medida, aliada à falta de apoio público e à repercussão internacional negativa, tende a frear sua tramitação.
❱❱ Análise final: a democracia em teste
A proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 é mais do que uma pauta legislativa: é um teste institucional. Ela coloca à prova o compromisso do país com os valores democráticos, a estabilidade política e a integridade das instituições. Independentemente do desfecho no Congresso, o debate em torno do projeto já cumpre um papel pedagógico: explicita os riscos da complacência diante de crimes políticos.
O Congresso está diante de uma encruzilhada histórica — e a sociedade civil, ao que tudo indica, não aceitará silêncio ou omissão.