Gravidez de adolescente após prática chamada “roleta russa” em festa revela falhas na educação sexual no Brasil
Professora relata caso de aluna de 13 anos que teve relações com vários parceiros e não sabe quem é o pai; especialistas apontam ausência de prevenção e cultura de erotização precoce
Um relato feito pela professora Andrea Vermont durante participação no podcast 3 Irmãos revelou um caso de gravidez precoce envolvendo uma adolescente de 13 anos. Segundo a educadora, a jovem afirmou ter engravidado durante uma festa, após participar de uma prática sexual chamada entre adolescentes de “roleta russa”. O episódio reacendeu o debate sobre a ausência de educação sexual sistematizada no país e a exposição de jovens a situações de risco.
De acordo com a professora, a adolescente teve relações com vários parceiros na mesma noite e não soube identificar quem seria o pai da criança. O caso, segundo o relato, teria ocorrido entre alunos de uma escola particular de Goiânia cuja mensalidade ultrapassa os R$ 2 mil. A educadora informou que prestou apoio emocional à aluna e orientou os pais a buscar acompanhamento profissional.
“Ela me disse: ‘Engravidei em uma roleta russa, então não sei de quem [é o bebê]’. Foi um momento de escuta e orientação. Não houve julgamento, mas a constatação de que estamos falhando como sociedade”, afirmou Andrea no podcast.
Prática relatada evidencia erotização precoce e desinformação
O termo “roleta russa”, segundo o relato, é utilizado entre jovens para descrever dinâmicas sexuais em grupo, geralmente sem vínculo afetivo, sem proteção e sem orientação. O episódio, embora isolado, revela um padrão mais amplo de banalização da sexualidade entre adolescentes e ausência de filtros institucionais capazes de conter práticas de risco.
Especialistas alertam que o avanço da erotização precoce, aliado à falta de informação e ao silêncio familiar, cria um ambiente onde meninas e meninos passam a repetir comportamentos sem compreender suas implicações.
“Trata-se de uma geração exposta à sexualidade sem preparação emocional, nem estrutura de apoio. A negligência institucional deixa os jovens vulneráveis”, avalia uma psicóloga clínica da rede pública.
Gravidez na infância é considerada violação de direitos
Segundo o Ministério da Saúde, mais de 19 mil partos de meninas entre 10 e 14 anos foram registrados no Brasil em 2023 — o que representa mais de 50 casos por dia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a gravidez nessa faixa etária como uma violação de direitos humanos, com alto risco à saúde física e mental da gestante.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), toda relação sexual com menores de 14 anos deve ser investigada pelas autoridades competentes, independentemente de consentimento. A legislação considera crianças e adolescentes nessa faixa etária como legalmente incapazes de consentir.
“Casos como esse exigem articulação entre escola, família, conselho tutelar, saúde e Ministério Público. Não se trata apenas de orientação, mas de responsabilização”, explica uma promotora da infância ouvida pela reportagem sob condição de anonimato.
Educação sexual está prevista, mas ainda é negligenciada
Apesar de constar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação sexual nas escolas ainda enfrenta resistência. Em muitas instituições, públicas e privadas, o tema é evitado por receios ideológicos ou ausência de formação adequada dos professores.
Para especialistas, a falta de discussão estruturada sobre sexualidade e prevenção cria brechas que são preenchidas por conteúdos digitais, redes sociais e experiências reais não mediadas por adultos.
“A educação sexual não estimula o sexo, ela protege. É preciso tirar o tema da invisibilidade e tratar como política pública de saúde, proteção e cidadania”, diz uma pedagoga da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Organismos internacionais como Unesco e Unicef defendem que a educação sexual seja iniciada ainda na infância, com linguagem apropriada e foco em direitos humanos, prevenção de violência, desenvolvimento saudável e respeito à diversidade.
Ações intersetoriais são apontadas como solução
Diante da complexidade do problema, especialistas defendem que o caminho está na articulação entre escola, família, sistema de saúde e assistência social, com ações como:
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Fortalecimento do Programa Saúde na Escola (PSE);
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Criação de protocolos institucionais de escuta e acolhimento;
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Formação continuada de professores para lidar com temas sensíveis;
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Campanhas públicas de prevenção e informação.
“Não basta reagir após o fato. É preciso estruturar redes de prevenção contínua, com apoio psicológico, informação e diálogo aberto”, afirma uma assistente social da rede pública de Goiânia.