O último adeus de Roma: o que vem agora para o Vaticano com a morte de Francisco
Por Fernanda Cappellesso
Especial para o Diário de Aparecida, direto do Vaticano
Praça de São Pedro, Vaticano — O céu de Roma amanheceu nublado nesta sexta-feira, 25 de abril, como se compartilhasse o luto de milhares que atravessam continentes para se despedir do Papa Francisco. O pontífice argentino, nascido Jorge Mario Bergoglio, faleceu na madrugada de terça-feira, aos 88 anos, após sofrer um AVC seguido de falência cardíaca. Com seu corpo exposto na Basílica de São Pedro, a Igreja Católica vive agora não apenas um luto litúrgico, mas uma transição histórica. O Vaticano entra oficialmente no período conhecido como sede vacante, que antecede o conclave para eleição de um novo Papa.
A cerimônia e o funeral mais simples de um Papa no século XXI
Ao contrário de seus antecessores, Francisco deixou registrado em seu testamento espiritual que desejava um funeral austero. A cerimônia será realizada neste sábado, 26, às 10h da manhã (horário de Roma), presidida pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício, sem a presença de outro Papa — já que, diferentemente de Bento XVI, Francisco não deixa um sucessor vivo.
O corpo será sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, uma escolha simbólica e pessoal. Francisco rezava ali sempre antes e depois de viagens apostólicas. A cripta foi adaptada para receber apenas um caixão, de madeira simples, sem os três tradicionais (madeira, chumbo e carvalho), e com uma cruz peitoral como único adorno.
A estimativa oficial do Vaticano é de que mais de 300 mil pessoas passem pela Praça de São Pedro até o encerramento das exéquias, numa mobilização comparável ao funeral de João Paulo II, em 2005. A segurança foi reforçada com 4 mil agentes em campo, zonas de exclusão aérea e bloqueios contra drones.
Quem assume agora? O rito da sede vacante e a força do colégio cardinalício
Com a morte do pontífice, inicia-se a sede vacante, período em que a Igreja não possui Papa. Nesse intervalo, quem comanda a Santa Sé é o Camerlengo — no caso, o cardeal Kevin Farrell — que se encarrega da administração ordinária do Vaticano e da preparação para o conclave.
O conclave, segundo informações da Secretaria de Estado, deve ocorrer entre os dias 6 e 11 de maio. Estão aptos a votar 135 cardeais com menos de 80 anos, de todos os continentes. O conclave é realizado sob absoluto sigilo, na Capela Sistina, e os cardeais são isolados do mundo externo até que o nome de um novo Papa seja escolhido por maioria qualificada (2/3 dos votos).
Os nomes em disputa: quem pode ser o próximo Papa
Nos bastidores, já se articula discretamente a sucessão. Entre os favoritos estão:
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Cardeal Matteo Zuppi (Itália) – Arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana. Conhecido por sua atuação no campo social e por diálogo com movimentos populares.
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Cardeal Pietro Parolin (Itália) – Secretário de Estado do Vaticano, homem forte da diplomacia vaticana, com interlocução fluida com governos de todo o mundo.
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Cardeal Luis Antonio Tagle (Filipinas) – Ex-arcebispo de Manila, figura carismática da ala progressista, muito próximo de Francisco e com forte apelo na Ásia.
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Cardeal Cláudio Hummes (Brasil) – Nome frequentemente lembrado por seu protagonismo na pauta da Amazônia, embora sua idade (80 anos completos neste mês) o retire do rol de eleitores.
A escolha do próximo Papa vai indicar se o caminho traçado por Francisco será mantido — com foco em sinodalidade, inclusão e descentralização — ou se haverá um retorno a posturas mais conservadoras.
Repercussão internacional e homenagens globais
Mais de 130 delegações internacionais confirmaram presença nas cerimônias, incluindo 50 chefes de Estado e 10 monarcas. Entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente dos Estados Unidos Joe Biden, o rei Felipe VI da Espanha, o presidente da França Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz.
A Organização das Nações Unidas decretou luto oficial de três dias, e grandes templos de diferentes religiões abriram espaço para homenagens inter-religiosas, como a Catedral de Canterbury, o Muro das Lamentações em Jerusalém e a Mesquita Azul de Istambul.
O legado de Francisco: o Papa das periferias
Francisco será lembrado por uma série de gestos e reformas que marcaram o papado mais desafiador das últimas décadas. Foi o primeiro Papa latino-americano, o primeiro jesuíta e o primeiro a adotar o nome inspirado em São Francisco de Assis — símbolo da pobreza e da paz.
Revolucionou os protocolos do Vaticano ao abrir as portas do Sínodo da Amazônia, denunciar a crise climática em encíclicas como Laudato Si’, combater os abusos sexuais dentro da Igreja com políticas mais firmes e aproximar-se dos grupos tradicionalmente excluídos, como divorciados, LGBTQIA+ e povos indígenas.
Francisco também reformou profundamente o setor financeiro do Vaticano, aumentando a transparência dos gastos da Santa Sé e promovendo auditorias internas. Sua última encíclica, Fratelli Tutti, foi um apelo global por solidariedade e fraternidade em um mundo dividido.
Despedida com fé, silêncio e futuro incerto
Roma está em silêncio. Nos becos de Trastevere e nas escadarias de San Giovanni, há velas acesas e fiéis que se ajoelham sozinhos. A cidade eterna, acostumada a seus ritos milenares, parece respirar um suspiro antigo, como se assistisse a mais um ciclo se encerrar.
O futuro da Igreja agora será decidido a portas fechadas. Mas uma certeza já está no coração dos que acompanharam esse pontificado: Francisco devolveu humanidade à Cúria, fé aos desiludidos e esperança aos que não cabiam na moldura da tradição.