Pirenópolis entra na reta final dos preparativos para uma das celebrações populares mais tradicionais do país. A Festa do Divino Espírito Santo, que em 2025 chega à sua 206ª edição, transforma a cidade histórica goiana em palco de rituais religiosos, encenações dramáticas e manifestações culturais com raízes seculares.
Entre os dias 27 de maio e 22 de junho, a programação inclui alvoradas, novenas, missas, cortejos, apresentações teatrais e o ponto alto: as Cavalhadas, previstas para os dias 8, 9 e 10 de junho. Inspiradas em tradições medievais portuguesas, as encenações dramatizam a batalha simbólica entre Mouros e Cristãos, com cavaleiros trajando armaduras e cores que distinguem os exércitos, em confrontos coreografados montados a cavalo.
Ao longo de mais de 50 dias, a cidade recebe milhares de visitantes, o comércio local é impulsionado e a transmissão de práticas culturais — como a produção dos tradicionais doces Verônicas — é retomada por famílias que preservam esses saberes há gerações.
Entre a fé e o espetáculo
A origem da festa remonta ao século 19, quando os colonizadores portugueses introduziram as celebrações do Divino Espírito Santo no interior do Brasil. Em Pirenópolis, a tradição foi mantida de forma ininterrupta desde 1826, incorporando elementos locais e afro-brasileiros ao catolicismo popular.
As Cavalhadas, inseridas oficialmente no calendário da festa no mesmo ano, são parte fundamental do evento. A dramatização ocorre em um campo aberto, com estrutura montada especialmente para a apresentação. São 24 cavaleiros— 12 representando os Cristãos, vestidos de azul, e 12 os Mouros, com trajes vermelhos — que duelam por três dias consecutivos, mesclando religiosidade, teatralidade e folclore.
Além dos cavaleiros, personagens como o Imperador, os Reis, os Juízes de São Benedito e os Mascarados percorrem as ruas históricas da cidade, compondo um ciclo de representações que integram teatro, religiosidade, oralidade e música.
Economia e herança imaterial
O evento tem impacto direto na economia local. Hotéis operam com ocupação máxima, bares e restaurantes estendem horários, e o artesanato ganha destaque nas feiras de rua. Para moradores e estudiosos da cultura popular, a festa cumpre papel central na preservação de bens imateriais, como os ritos da Folia do Divino, os bordados religiosos, os trajes das encenações e os doces tradicionais.
Entre os mais emblemáticos, estão as Verônicas, esculturas de açúcar moldadas à mão com formas de pombas, flores e símbolos cristãos. Produzidas por famílias locais, elas são distribuídas durante os cortejos como símbolo de fartura e bênção.
Religiosidade popular e memória coletiva
As celebrações do Divino combinam práticas da Igreja Católica com expressões populares autônomas. Alvoradas com bandas de couro e fanfarras, que começam às 4h da manhã, anunciam a programação diária. Novenas, rezas cantadas e missas conduzidas por corais tradicionais mantêm o caráter espiritual da festa.
A figura do Imperador do Divino, eleito todos os anos, exerce papel simbólico de liderança da comunidade durante o período da celebração. O título é passado adiante em 10 de junho, durante o encerramento oficial das Cavalhadas, mas a posse religiosa só ocorre na missa de Corpus Christi (22/06).
Personagens e resistências
Figuras como os Mascarados circulam pelas ruas durante os dias de festa, vestindo fantasias coloridas e máscaras exageradas. Sua origem é incerta — há registros que os vinculam a práticas de resistência dos escravizados que não podiam participar da festa — mas hoje são presença consolidada, tanto pelo aspecto lúdico quanto por sua importância para a memória local.
Já a peça teatral As Pastorinhas, apresentada nos dias 6 e 7 de junho, leva ao palco um auto religioso protagonizado por jovens da comunidade. A encenação, passada de geração em geração, remonta ao teatro cristão ibérico e reforça o caráter formativo da festa.
Programação completa da Festa do Divino 2025
Datas principais:
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01/06: Chegada da Folia do Divino (zona rural)
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07/06: Saída dos Mascarados e apresentação de “As Pastorinhas”
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08/06 (Domingo do Divino): Cortejo do Imperador, missa solene, distribuição das Verônicas e 1º dia das Cavalhadas
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09/06: Missa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e 2º dia das Cavalhadas
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10/06: Juizado de São Benedito, último dia das Cavalhadas e anúncio do novo Imperador
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22/06: Missa de Corpus Christi e posse religiosa do novo Imperador
Por que importa
A Festa do Divino e as Cavalhadas de Pirenópolis são mais do que eventos turísticos ou religiosos. Elas condensam um modelo de sociabilidade, economia e transmissão cultural que sobrevive há mais de dois séculos. Em tempos de urbanização acelerada e apagamento das práticas populares, a permanência desse ciclo festivo representa um caso raro de continuidade e adaptação de uma tradição comunitária viva.