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Opinião: A liderança que atua nos bastidores

*Melina Lobo

Aos 21 anos nasceu seu primeiro filho. Ela e o marido, seis anos mais velho, decidiram que ele trabalharia fora e ela cuidaria da família. Ele havia sido seu professor. Ela tinha ciúmes e ele, traumas. Havia mais um motivo pouco falado: era época de ditadura militar e, como professor de história, ele corria riscos. Alguns colegas já haviam sido presos e eles tinham medo. Analisaram a situação e priorizaram a família.

A primeira gravidez veio logo na lua de mel, no mesmo ano que nasceu o primeiro filho.

Aos 27, quando engravidou do quarto, se desesperou. Foi ao médico acompanhada de seu pai que prometeu cuidar da criança, “que a deixasse nascer” pediu a ela.

Naquela época, só se sabia o sexo no nascimento e assim veio a terceira filha. O primogênito foi o único homem. Diante daquele bebê, seu coração se rendeu, e ela o levou para casa.

Quatro filhos era sufocante, mas ela se desdobrou nos cuidados da família e até alfabetizou os filhos. O combinado do casal – que ela não trabalharia fora – podava seu espírito inquieto. Quando finalmente todos os filhos foram para a escola, voltou a estudar e fez universidade de Artes. Criativa, fazia de tudo um pouco, pintava, esculpia, cozinhava e amava música. A dupla jornada em casa e nos estudos não minou seu entusiasmo. Tinha sede de viver.

Quando tinha 44 anos, sua primeira filha se graduou na universidade. Todos se formaram e se casaram nos anos seguintes. Havia uma sensação de dever cumprido, mas também de ninho vazio.

Aos 53, foi avó pela primeira vez e floresceu uma nova mulher: alegre, divertida, mais criativa, surpreendente. Brincava como se fosse criança. Nada da rigidez do papel de mãe. Cuidava como ninguém e descansava os pais. Sabia o quanto podia ser esgotante a atividade de criar filhos.

Amava uma rede e ensinou todos os netos a usufruir também, como se fosse um útero, quentinho e aconchegante. Aprender a apreciar a solitude também seria um aprendizado, ensinava. Após inúmeras brincadeiras, diversos quitutes e uma energia que cansava só de olhar, deitava, colocava as pernas para cima e relaxava. “Agora é minha vez de descansar” avisava para que ninguém se atrevesse a retirá-la do seu útero.

Nos dez anos seguintes, foi avó mais cinco vezes. Gostava de ser chamada de vovó. Os seis netos a amavam, as outras crianças também. Era uma festa estar ao seu lado. Os filhos conheceram uma nova mulher naquela mãe tão generosa.

Quando foi à Disney acompanhada de três netos, brincou mais que eles. Aproveitou todas as montanhas russas e divertiu-se. Não falava inglês, mas isso não a limitou. Sonhava em conhecer muitos lugares, tinha energia e pensava que teria tempo.

Aí veio a doença cujo nome muitos não gostam nem de falar.  Meses de tratamento, lutas em vão. Deixou um vazio. Aos 64 anos, exercia uma liderança silenciosa, costurava acordos, unia as pontas da família, cozinhava e celebrava os momentos importantes.

Os filhos não se deram conta da relevância daqueles gestos de carinho até eles deixarem de existir. Atravessados pelo vazio, eles se desentenderam e brigaram. Só o tempo e a maturidade puderam lhes mostrar que tudo era apenas reflexo das saudades.

*advogada e conselheira de administração

 

Fernanda Cappellesso

Olá! Sou uma jornalista com 20 anos de experiência, apaixonada pelo poder transformador da comunicação. Atuando como publicitária e assessora de imprensa, tenho dedicado minha carreira a conectar histórias e pessoas, abordando temas que vão desde política e cultura até o fascinante mundo do turismo.

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