ONU nega que 14 mil bebês estejam à beira da morte em Gaza em 48 horas
Relatório da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC) aponta risco para 14.100 crianças ao longo de um ano — não em dois dias
A Organização das Nações Unidas (ONU) desmentiu a informação de que 14 mil bebês estariam prestes a morrer em 48 horas na Faixa de Gaza por falta de ajuda humanitária. A declaração, feita pelo diretor de ajuda humanitária da própria ONU, Tom Fletcher, em entrevista à BBC na última terça-feira (20), gerou repercussão internacional e rapidamente foi questionada por especialistas e por órgãos da própria entidade.
Ao ser pressionado sobre a origem do dado, Fletcher citou relatos de profissionais de saúde que atuam em Gaza, mas não apresentou qualquer documento técnico que sustentasse a afirmação. A própria BBC procurou o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), que esclareceu: a informação não corresponde ao cenário descrito nos relatórios oficiais.
O dado citado por Fletcher faz referência, na verdade, a um levantamento da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), que projeta 14.100 casos graves de desnutrição aguda entre crianças de 6 a 59 meses, mas distribuídos no período de abril de 2025 a março de 2026 — ou seja, ao longo de um ano, e não concentrados em 48 horas, como foi divulgado.
“O número foi retirado de contexto e usado de forma alarmista, sem respaldo técnico. É um desserviço para o debate público e para a credibilidade da imprensa internacional”, afirma André Lajst, cientista político e presidente executivo da organização StandWithUs Brasil. Segundo ele, a BBC tem sido alvo de críticas recorrentes pela cobertura do conflito entre Israel e o grupo Hamas, sendo obrigada a publicar retratações em outras ocasiões.
🚩 A gravidade real da crise
Embora os dados não apontem risco iminente de 14 mil mortes em dois dias, o quadro alimentar em Gaza é crítico. O relatório do IPC classifica partes da região em nível cinco de insegurança alimentar — o grau máximo, que corresponde a “fome catastrófica”. Estima-se que mais de 500 mil pessoas estejam nesta condição, número que representa aproximadamente um quarto da população da Faixa de Gaza.
Ainda assim, a ONU reforça que os dados apontam para um risco distribuído ao longo de meses, caso a assistência humanitária não chegue de forma consistente. Não há, portanto, projeções técnicas que embasem uma mortalidade de milhares de crianças em menos de 48 horas.
🚚 Israel libera ajuda, mas acusa o Hamas de bloqueio interno
Paralelamente à polêmica dos números, Israel voltou a autorizar nesta terça-feira (20) a entrada de caminhões com alimentos, água e remédios em Gaza, por meio dos corredores de Kerem Shalom e Rafah. Entretanto, autoridades israelenses acusam o Hamas de sequestrar parte dos suprimentos e impedir sua distribuição à população civil.
Segundo dados do governo israelense, desde o início do conflito, mais de 20 mil caminhões com ajuda humanitária entraram no território palestino, mas há denúncias constantes de desvios. O governo israelense sustenta que o grupo terrorista Hamas prioriza seus próprios combatentes e fortalezas subterrâneas em detrimento dos civis.
🎗️ Reféns continuam sob poder do Hamas
O conflito, que já dura mais de 590 dias desde os ataques de 7 de outubro de 2023, segue sem perspectiva de trégua. De acordo com dados oficiais do governo de Israel, 58 reféns permanecem sequestrados na Faixa de Gaza. Acredita-se que apenas 21 estejam vivos, número que reforça a gravidade do impasse humanitário e diplomático.
O caso reacende o debate sobre a responsabilidade da imprensa internacional na checagem de dados sensíveis, especialmente em cenários de guerra, onde informações imprecisas podem ter efeitos devastadores sobre a opinião pública e sobre as decisões políticas de governos e organismos multilaterais.