Música como profissão: a rotina de quem transforma arte em trabalho
Cantora e pianista baiana mostra que viver de música exige mais disciplina do que glamour
Quando se fala em carreira musical, a imagem que costuma dominar o imaginário popular é a dos palcos lotados, contratos milionários e milhões de seguidores nas redes sociais. Entretanto, essa é a realidade de uma fração mínima dos profissionais da música no Brasil. Fora dos grandes holofotes, há um mercado robusto, composto por artistas que fazem da arte um ofício — com rotinas que envolvem trabalho árduo, estudo constante e muita disciplina.
A cantora e pianista baiana Luma é um exemplo concreto desse caminho. Formada em Música Popular pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela construiu uma carreira sólida, com agenda cheia em bares, restaurantes, festivais e eventos culturais em Salvador. Sem depender dos grandes palcos ou da indústria fonográfica, vive exclusivamente da música.
— A música é o meu trabalho. Assim como qualquer outra profissão. Tenho meu cachê, pago minhas contas, organizo minha vida financeira e profissional a partir dela — explica a artista.
Trabalho, estudo e persistência
A rotina de quem vive da música, segundo Luma, está longe do glamour que muitas vezes se associa à profissão. É feita de horas de ensaio, montagem de repertórios, deslocamentos, negociações com contratantes e, sobretudo, atualização constante.
— É um trabalho que exige dedicação integral. Além das apresentações, há todo um trabalho invisível de bastidor: estudar, ensaiar, planejar, produzir material de divulgação, gerir redes sociais, atender clientes e construir relacionamentos no mercado — detalha.
De acordo com dados do Observatório da Economia Criativa da Bahia (OBEC-BA), cerca de 86% dos profissionais da música no estado atuam de forma autônoma, sem vínculos empregatícios fixos. A maioria complementa renda com aulas particulares, gravações e projetos paralelos.
É nessa dinâmica que Luma se mantém. Atualmente, lidera o projeto “Luma Convida”, realizado no restaurante Patroni, na Pituba, em Salvador, onde abre espaço para que estudantes de música da UFBA possam se apresentar ao lado dela. Paralelamente, faz parte da banda da guitarrista Ágata Macêdo, com quem já se apresentou no festival “Oxe é Jazz”, tocando ao lado de nomes como Armandinho Macedo.
— As pessoas costumam imaginar que quem não é famoso está “começando”. Mas não é isso. Existem milhares de músicos profissionais que trabalham todos os dias, sustentam suas famílias e constroem uma carreira sólida, mesmo fora da grande mídia — afirma.
Mulheres na música: conquista de espaço e visibilidade
Se viver de música já é desafiador, para as mulheres esse caminho costuma ser ainda mais árduo. Segundo o estudo “Por Elas Que Fazem a Música”, realizado em 2022 pela União Brasileira de Compositores (UBC), apenas 12,7% das músicas cadastradas no Ecad têm participação feminina na autoria. No mercado de instrumentistas, o número é ainda menor.
Para Luma, no entanto, essa realidade não significa ausência feminina, e sim falta de visibilidade histórica.
— As mulheres sempre estiveram na música. O que não existia era espaço, projeção e valorização. Hoje, isso vem mudando, porque nós mesmas estamos abrindo essas portas. A diferença é que agora se olha para isso — afirma.
Em Salvador, ela integra uma rede cada vez mais ativa de mulheres instrumentistas, compositoras e produtoras. Segundo ela, há um esforço coletivo para fortalecer a presença feminina no mercado local.
— Cada uma vai construindo seu espaço. Enfrentamos desafios diferentes, seja por questões econômicas, raciais ou de gênero, mas seguimos criando as nossas possibilidades. Não esperamos mais que alguém abra as portas, nós mesmas abrimos — pontua.
Uma carreira que vai além dos números
Luma não mede seu sucesso pelos números de seguidores ou pelos algoritmos das plataformas de streaming. Para ela, o verdadeiro reconhecimento está na capacidade de se sustentar com a própria arte e de criar conexões reais com o público.
— A arte não precisa, e nem deve, ser medida só pelos números. O que importa é tocar as pessoas, ser reconhecida no meu meio, pelos meus pares e pelo meu público. Isso, para mim, tem mais valor do que qualquer viral — afirma.
Nascida em Itabuna, no sul da Bahia, e radicada em Salvador, Luma começou na música ainda na infância. Passou por formações como o Madrigal da UFBA, integrou projetos como “Miguel e os Futuríveis” e o coletivo “Pagode Por Elas”, além de ter experiências internacionais, como apresentações em Saint Louis, nos Estados Unidos.
Agora, ela se dedica à produção de seu primeiro trabalho autoral — mais um passo na consolidação de uma trajetória que une talento, disciplina e resistência.
— Meu trabalho sempre foi sobre viver de música com verdade, com seriedade, com amor. É isso que me move — conclui.