A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) divulgou a nova Diretriz Brasileira para o Tratamento Farmacológico da Obesidade. O documento reconhece a obesidade como uma doença crônica que exige cuidado contínuo e abordagem individualizada.
Com 35 recomendações, a diretriz orienta médicos, gestores de saúde e profissionais de diversas áreas sobre o uso racional e seguro de medicamentos, sempre associado a mudanças no estilo de vida. Segundo a Abeso, a diretriz foi construída com base nas melhores evidências científicas disponíveis e em consenso com 15 sociedades médicas.
“É uma mudança de paradigma. O objetivo não é mais apenas normalizar o peso, mas sim promover saúde, funcionalidade e qualidade de vida com metas possíveis e sustentáveis”, explica o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Abeso.
Uma das principais mudanças é a adoção de metas mais realistas e clinicamente relevantes. O foco passa a ser a redução de pelo menos 10% do peso corporal, com ênfase na melhora de comorbidades associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono, osteoartrose e doença hepática relacionada à disfunção metabólica.
Diferentemente de abordagens anteriores, que miravam a normalização do Índice de Massa Corporal (IMC), a nova diretriz prioriza a funcionalidade, a qualidade de vida e a individualização do tratamento.
“A primeira coisa que nós trabalhamos foi tentar entender qual é o impacto de associar mudanças de estilo de vida com educação física e dieta ao impacto do uso das medicações de obesidade”, destaca o endocrinologista e coordenador do grupo de trabalhos para elaboração da diretriz farmacológica, Fernando Gerchman.
De acordo com o médico, as medicações são indicadas para quem tem IMC acima de 27 com alguma comorbidade, por exemplo, doenças cardiovascular, hipertensão, diabetes, doença hepática gordurosa e IMC acima de 30, após ter tentado mudança no estilo de vida e não ter dado certo.
Tratamento
As medicações foram categorizadas de acordo com o perfil de eficácia, segurança e duração do tratamento.
O documento também contempla o uso off-label — que é o uso de uma medição que não foi especificamente aprovada para obesidade, mas que pode ser utilizada para esse fim com base em evidências clínicas e pesquisas que demonstrem eficácia e segurança.
“O uso dessa estratégia deve ser individualizado, levando em conta fatores como a saúde geral do paciente, a presença de comorbidades e a resposta prévia ao tratamento. Além de considerar a segurança, a tolerabilidade e a questão do custo”, afirmou o coordenador do Departamento de Farmacoterapia da Abeso, Marcio Mancini.
Estilo de vida
A nova diretriz reforça que o uso de medicamentos deve estar, desde o início, associado a mudanças sustentadas no estilo de vida. O documento recomenda a priorização de fármacos com alta ou moderada eficácia — como semaglutida, tirzepatida e liraglutida — quando disponíveis.
“Esses fármacos demonstraram benefícios significativos em grandes ensaios clínicos. A semaglutida, por exemplo, reduziu em 20% os eventos cardiovasculares em pacientes com obesidade e histórico de doença cardíaca. Já a tirzepatida mostrou, em estudo com pessoas com pré-diabetes, uma redução de 99% na incidência de diabetes tipo 2”, afirmou o diretor da Abeso, Alexandre Hohl.
A diretriz também recomenda que as decisões sobre o tratamento da obesidade devem levar em consideração fenótipos alimentares, como padrões de comportamento alimentar e as preferências dos indivíduos, dando atenção a fatores genéticos, psicológicos, sociais e ambientais e outras características individuais dos pacientes.
Grupos com necessidades especiais, como idosos com sarcopenia, pessoas com câncer relacionado à obesidade e indivíduos com insuficiência cardíaca, também são contemplados no documento. Nesses casos, o tratamento da obesidade pode não apenas melhorar a qualidade de vida, mas ampliar a eficácia de outras terapias e reduzir complicações.
A diretriz ainda desencoraja o uso de fórmulas com substâncias não validadas ou potencialmente perigosas, como diuréticos e hormônios, e alerta que o tratamento da obesidade deve ser contínuo.
“O que os estudos mostram é que, quando o medicamento é interrompido, o peso volta. A diretriz reconhece isso e recomenda a manutenção terapêutica com reavaliação constante”, explica o Marcio Mancini.