Sem-teto de 65 anos morre sob suspeita de hipotermia na madrugada mais fria de SP
DHIEGO MAIA
GONÇALVES, MG (FOLHAPRESS) – Ao menos uma pessoa morreu na cidade de São Paulo sob a suspeita de hipotermia causada pela influência da massa de ar polar que vem derrubando as temperaturas em grande parte do país.
O óbito foi denunciado pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua.
Flavio Bastos, 65, passou mal na rua Araguaia, no Pari, bairro da região central da capital paulista. O boletim da Polícia Civil que relata a ocorrência informa que a PM foi acionada para atender o caso por volta das 23h desta quarta (28).
No local, os dois policiais disseram que já encontraram Bastos desacordado e aparentemente morto na via pública. O óbito foi confirmado por um médico do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) pouco tempo depois.
Um dos PMs disse que não havia sinais aparentes de violência no corpo de Bastos e que, provavelmente, ele teria morrido ao passar mal. Mas o mal súbito não foi apontado como consequência do frio nem pelo médico nem pelos policiais.
A Secretaria Municipal de Saúde disse, por nota, que Bastos também sofreu parada cardiorrespiratória e que as tentativas de reanimá-lo não tiveram êxito.
A pasta informou ainda que as causas de óbitos devem ser confirmadas por IML (Instituto Médico Legal), SVO (Serviço de Verificação de Óbito), governo do estado ou SSP (Secretaria de Segurança Pública).
Padre Júlio Lancellotti, que atua na assistência aos sem-teto na capital paulista, diz que a praxe é nunca correlacionar a morte das pessoas que vivem nas ruas ao frio. “Além de o registro oficial nunca apontar que foi hipotermia, a vítima sempre leva a culpa.”
Registros sob a posse de Lancellotti mostram que Bastos era sem-teto. O homem havia procurado neste ano o serviço de abrigamento para pernoite e também recebeu atendimentos no Pronto-Socorro Municipal da Lapa (zona oeste) identificando-se como uma pessoa em situação de rua.
Medições do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas), órgão ligado à prefeitura, apontam que na noite desta quarta houve declínio acentuado da temperatura.
Na madrugada de quinta (29), foi registrada a menor temperatura mínima média do ano na capital paulista, de 4,7ºC. Em Engenheiro Marsilac, no extremo da zona sul, ocorreu o registro da menor mínima absoluta, -0,1ºC, de acordo com o CGE.
As próximas madrugadas ainda serão geladas e com expectativa de novo recorde nesta sexta (30). Além disso, bairros mais afastados do centro expandido poderão atingir temperaturas próximas de zero ou até negativas, prevê o CGE.
Diante da queda brusca de temperatura, que deve perdurar até o início da próxima semana, a prefeitura criou uma força-tarefa para proteger a população de rua do frio extremo.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) montou tendas e distribuiu cobertores, agasalhos e sopas quentes aos sem-teto. Estação de Metrô também virou local de abrigo.
No centro, a Dom Pedro 2º, da linha 3-vermelha, acolheu ao menos 50 pessoas que estavam ao relento. Além de cobertores, o grupo recebeu comida e um espaço para dormir na madrugada desta quinta.
Darcy Costa, coordenador nacional do Movimento de População de Rua, diz que a ação emergencial de acolhimento é positiva porque salva vidas. “Mas diante da crise humanitária instaurada na cidade, é preciso muito mais”, diz. Costa afirma ser necessário investir no programa de moradia social subsidiada para desafogar o número de pessoas na rua.
A prefeitura disse em um comunicado recente que vem qualificando o atendimento às pessoas em situação de rua por meio de hotéis, com vagas para adultos e idosos em 13 locais -12 no centro e mais um na zona norte da capital paulista.