Esporte

Rebeca se despede das Olimpíadas para entrar para a história

ficiente para colocar Rebeca Andrade como uma das maiores atletas olímpicas da história do Brasil. Até então sem nenhuma conquista internacional relevante, resultado de uma série de lesões graves que atrapalharam sua carreira, a ginasta sai da Tóquio 2020 com duas medalhas, uma de ouro e outra de prata, e com um lugar no coração da torcida brasileira.

Até Rebeca, nenhuma atleta mulher do Brasil havia subido ao pódio mais de uma vez na mesma edição dos Jogos Olímpicos. E a ginasta fez isso em uma das modalidades mais nobres dos Jogos, e em que nenhuma brasileira havia ganhado medalha antes. E ainda se tornou apenas a quarta mulher do Brasil a conquistar uma medalha de ouro em provas individuais.

Desempenho como o dela, de ouro e prata em uma mesma edição dos Jogos, é inédito no esporte brasileiro. Cesar Cielo, que temia perder seus recordes mundiais nos 50m e nos 100m livre da natação, acabou perdendo o posto de melhor campanha da história brasileira. Em Pequim, 2008, ele levou um ouro e um bronze. Agora, a rainha é Rebeca Andrade.

O feito vem em um momento em que as mulheres cobram como nunca um papel de protagonismo no esporte brasileiro. E foi exatamente isso que Rebeca conseguiu, como tributo a uma série de pioneiras que vieram antes dela.

Só há Rebeca como maior de todas porque um dia houve Aída dos Santos, a primeira finalista do Brasil, Jaqueline e Sandra, as primeiras campeãs, as seleções femininas de vôlei e basquete, primeiras medalhistas em modalidades coletivas, Ketleyn Quadros, a primeira medalhista em esportes individuais, Maurren Maggi, a primeira campeã individual, e Daiane dos Santos, a primeira campeã mundial de ginástica.

Quem é Rebeca Andrade?

A atleta de 22 anos é natural de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Mas quem é Rebeca Andrade, duas vezes medalhista na mesma Olimpíadas? É uma menina-mulher potente, intensa, dedicada, que aprendeu e reaprendeu, na prática, o significado da palavra superação.

Vou além: Rebeca Andrade é a personificação da exaltação feminina nos Jogos de Tóquio. Não só pela própria performance, inquestionável, mas pelas dificuldades que a levaram até o pódio duas vezes. Dificuldades também de uma mulher que, como tantas brasileiras, se desdobraram em mil para criar, sozinha, sete filhos: Rosa, a mãe de Rebeca.

Empregada doméstica, a mãe nunca desencorajou a filha a abandonar o esporte. “Muitos me criticaram na época porque, logo aos nove anos, ela foi morar fora, foi se dedicar aos treinos”, disse a mãe. Diziam ‘você é doida de deixar sua filha ir embora’. Mas eu tive a sabedoria e a mente aberta para deixá-la seguir seus sonhos. Eu deixei que ela voasse atrás de um objetivo. Deixando também claro que, se não desse certo, as portas de casa sempre estariam abertas para ela. Hoje eu vejo que agi certo, por ter ouvido o meu coração.”

Rosa contou com o apoio dos filhos mais velhos, que se revezavam para acompanhar a talentosa irmã nos treinos a pé ou de bicicleta quando o dinheiro não dava nem para a passagem de ônibus. Foi a mãe, ainda, quem cuidou da menina nas vezes em que as lesões no joelho direito a fizeram pensar em desistir. Cuidou do físico, daquele jeito que só mãe sabe, e do lado emocional — cá entre nós? Mais ainda, daquele jeito que só mãe sabe.

O ouro

O ouro de Rebeca veio exatamente na primeira vez em que ela disputou uma final internacional no salto. Mais do que isso: na primeira vez em que ela tentou se classificar para uma final dessa prova. Por causa de um extenso histórico de lesões, ela sempre foi poupada de mostrar todo seu talento no aparelho. Agora, inteira de corpo e de cabeça, o potencial virou realidade.

Na final do último domingo, 1°, Rebeca foi a terceira a se apresentar e começou com o Cheng, em que a ginasta faz uma entrada em rodante, um meio-giro na primeira fase de voo e um mortal estendido para frente, com um giro e meio na segunda fase de voo. A nota de dificuldade é 6,0 e a apresentação de Rebeca não foi do mesmo nível das anteriores, nas eliminatórias e na final por equipes. Tirou 15,166, contra 15,400 das eliminatórias.

Para brigar pelo ouro, a brasileira precisaria de uma segunda apresentação de “outro patamar”. Foi isso que ela fez. Sabendo que o Yurchenko com duplo twist, do grupo 5,4, apresentado nas eliminatórias, não seria suficiente para o ouro, ela mudou para um Amanar, de 5,8, mas que força bastante o joelho. Com nota de execução 9,2, recebeu 15,000. Média de 15,083.

A prata

A primeira medalha de Rebeca Andrade pousou sobre o peito da atleta na quinta-feira passada, 29, e marcou, também, a primeira medalha olímpica da ginástica artística feminina. Na prova que define as ginastas mais completas do mundo, o individual geral, vale a soma das notas dos quatro aparelhos. A brasileira só não foi melhor que a americana Sunisa Lee. Terminou na segunda colocação, com 57.298 pontos e a medalha de prata.

A brasileira liderou nos primeiros dois quesitos. No salto, sua especialidade, quando teve execução perfeita para receber 15.300 e sair na frente da disputa, mesmo com nota mais baixa que nas qualificatórias. Uma apresentação irretocável nas barras assimétricas, em série ainda mais difícil do que apresentou nas eliminatórias, manteve a brasileira na frente entre as 24 finalistas, com nota de 14.666.

Sua maior adversária, a americana Sunisa Lee, tirou a diferença no terceiro quesito, a trave, Rebeca chegou a figurar na terceira posição, mas um recurso em sua nota na trave – que passou de um duvidoso 13.566 para um ainda criterioso 13.666 – a colocou na vice-liderança antes do último aparelho, o solo.

Nele, Rebeca não chegou a brilhar. Cometeu algumas pequenas falhas, como dois passos após sequências acrobáticas que custaram alguns décimos. Mas a nota de 13.666 foi o suficiente para o resultado inédito.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo