Brasil

Multiparentalidade: a família que vai além dos laços de sangue

Advogado especialista em Direito de Família explica esse conceito que foi introduzido há pouco tempo no ordenamento jurídico do País e que ampara agrupamentos familiares que se formam pelos laços de afetividade

Eder Araújo é advogado com mais de 32 anos de atuação profissional. Possui especializações em Direito Civil e Direito do Trabalho. Como advogado, atua nas áreas de Direito das Família, do Consumidor e do Trabalho. Também é professor do ensino superior há mais de 17 anos e professor na Escola Superior de Advocacia da OAB GO..

As famílias brasileiras não estão apenas diminuindo de tamanho, conforme revelou o Censo de 2022 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontou uma média de 2,79 pessoas por residência. Mas também estão tendo uma configuração cada vez mais diversa daquelas consideradas tradicionais. Por anos, famílias que não se enquadravam dentro de um modelo formal e tradicional, oriundas da celebração do casamento entre um homem e uma mulher ou pela adoção de filhos feita por casais heterossexuais, eram invisíveis ao ordenamento jurídico do país.

Tal situação mudou em 2015, com o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do direito à adoção feita por casais homoafetivos, e também em 2016, quando a maioria dos ministros do STF introduziu o conceito de paternidade socioafetiva. O entendimento veio após a corte negar provimento de Recurso Extraordinário (RE) apresentado pela defesa de indivíduo que contestava acórdão que estabelecia sua paternidade biológica, com efeitos patrimoniais. A decisão e análise votada pelos integrantes da suprema corte  demonstraram que a paternidade socioafetiva, assumida por outro que não o pai biológico, não eximia as responsabilidades deste último nem invalidava seus direitos paternos.

Esse entendimento do STF serviu de base para o Provimento 63/2017, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que legitimou e introduziu no ordenamento jurídico o modelo de multiparentalidade, conceito que abarca não só a consanguinidade e o ato de adoção, mas também os laços afetivos, como fundamentais para a formação de uma família. “A multiparentalidade, nada mais é, do que a formação de famílias com base na convivência, na afeição e no sentimento que as pessoas têm uma pela outra. Esses vínculos vão muito além do sangue e da biologia e consistem na possibilidade de registrar um filho pelos fortes laços afetivos e responsabilidades parentais, além das apresentadas pelo pai e a mãe biológicos”, explica o professor de Direito e advogado especializado em Direito de Família,  Éder Araújo.

Novos modelos

A partir deste provimento do CNJ, famílias que sejam formadas por uma mãe e dois pais ou então duas mães e um pai passaram a ser amparadas legalmente. “A multiparentalidade pode ser realizada de forma concomitante ao registro da filiação biológica ou socioafetiva, possibilitando que todas as pessoas, que desempenham um papel relevante na vida da criança, tenham o seu reconhecimento legal assegurado”, explica o advogado Eder Araújo.

Ele lembra ainda que antigamente, o registro de nascimento de uma criança era feito com a indicação de um pai e uma mãe, geralmente com base na filiação biológica. No entanto, com o passar dos anos novas configurações familiares foram se formando e se consolidando na sociedade brasileira, seja a família formada por um dos genitores (a mãe ou pai solteiro) e os filhos, aquelas oriundas das uniões civis homoafetivas, ou pelos avós que assumem a paternidade dos netos. “A Justiça foi atualizando esse conceito da família e o reconhecimento da multiparentalidade é mais uma atualização, destacando a importância dos laços afetivos, além dos consanguíneos para a formação de um agrupamento familiar”, esclarece o especialista em Direito de Família.

Em 2022, Éder Araújo trabalhou em um caso onde o pai biológico de uma jovem de 18 anos aceitou ter o nome retirado dos registros em troca de um perdão referente à uma dívida de pensão alimentícia. “Essa menina teve o abandono afetivo por parte do pai biológico durante a sua adolescência e nós entramos com ação cobrando pensão alimentícia. O valor total dava mais ou menos 50 mil reais de pensão atrasada. A jovem foi criada pelo pai afetivo que era casado com a mãe. Ao completar 18 anos, a menina disse à sua mãe que não queria mais o registro do pai biológico em seu registro. Nós procuramos o advogado do pai à época, conversamos com ele com a condição de que o valor da pensão fosse perdoado, desde que ele concordasse em retirar seu nome do registro da filha. Esse foi um pedido da própria menina, que queria isso de uma forma amigável. Diante das condições o pai concordou com o pedido. A partir daí, o nome do pai afetivo da jovem foi acrescentado em seus documentos”, conta Éder.

Implicações jurídicas

De acordo com Éder Araújo, a paternidade e a maternidade afetiva têm consequências jurídicas dentro do Direito, envolvendo prerrogativas e obrigações legais como recebimento de pensão alimentícia, reconhecimento de guarda, visitação aos finais de semana, além do direito sucessório, referente a herança. “Em caso de separação, a multiparentalidade implica ao pai ou mãe socioafetivo, os mesmos direitos e deveres dos pais biológicos, o que não invalida as prerrogativas e obrigações destes últimos.

De acordo com Eder, o processo a inclusão dos nomes do pai ou  mãe socioafetivos no registro civil do filho, seja ele menor ou maior de 18 anos, é bem simples, bastando a pessoa ir a um cartório e informar o seu desejo de inclusão de seu nome como pai ou mãe por laços de afetividade e convivência. “Vale lembrar que pelo  Provimento nº 63/2017 do CNJ, em seu artigo 10, §1º, o reconhecimento da filiação socioafetiva é irrevogável, podendo ser desconstituído somente por meio de ação judicial, se for comprovado vício de vontade, fraude ou simulação”, explica o especialista em Direito de Família.

Da Redação

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