Semana de 4 dias de trabalho começa a ser testada no Brasil
22 empresas passaram por três meses de treinamento antes de iniciar experimento
Depois de quase quatro meses de planejamento, as 22 empresas inscritas no programa “4-Day Week” no Brasil começaram a testar neste mês o novo sistema de trabalho.
O projeto-piloto vai testar como pode funcionar uma semana laboral de quatro dias na prática. Nos últimos três meses, as companhias participantes puderam conhecer melhor a iniciativa, que começou em 2019 na Nova Zelândia e já se espalhou por vários países de Europa, África e Américas sob a gestão da comunidade 4-Day Week Global.
No Brasil, a estratégia vem sendo implementada em parceria com a consultoria Reconnect Hapiness at Work. “As empresas avaliaram os modelos e como isso poderia se encaixar dentro de sua realidade. Agora estão prontas para implementação efetiva”, diz Renata Rivetti, fundadora da Reconnect.
Mais de 70% das empresas participantes do piloto decidiram testar a semana de quatro dias com todos os funcionários, enquanto 6 organizações vão experimentar a jornada reduzida só em alguns departamentos.
As empresas estão localizadas, majoritariamente, em capitais e grandes centros do país em 4 estados (nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Campinas).
Segundo o movimento “4-Day Week” já são quase 500 companhias pelo mundo testando a modalidade de jornada em que o profissional continua recebendo 100% do salário, mas trabalha 80% do tempo e, em troca, se compromete a manter 100% de produtividade. É por isso que o modelo ficou conhecido como 100-80-100.
Ao longo da etapa de preparação, as empresas estabeleceram um cronograma para a implantação da jornada reduzida. Segundo Renata, os representantes das companhias avaliaram suas realidades e sua cultura, com foco em inovação, produtividade e humanidade.
Durante o planejamento as empresas continuaram na semana 5 dias até definirem melhor qual seria a melhor estratégia, se adotaria a sexta, por exemplo, ou sistema de rodízio entre as equipes. Também foi estabelecido como irão esclarecer os pontos com clientes, funcionários e outras partes importantes ao processo. Além disso, foram iniciadas as primeiras pesquisas com o pessoal da Fundação Getulio Vargas (FGV) para acompanhar todo o processo.
Desafios
As empresas afirmam que entre os principais motivos para estarem no piloto estão os desafios para atrair e reter talentos, melhorar a produtividade e engajamento, mudar a forma como se trabalha, e, claro, aumentar a qualidade de vida de seus colaboradores.
De acordo com a Reconnect, a intenção é buscar formas mais eficazes de trabalhar e lidar com a sobrecarga de trabalho, absenteísmo (falta de pontualidade) e presenteísmo. “A mudança está alinhada com o objetivo de saber priorizar tarefas, organizar o trabalho de forma mais produtiva e, ao mesmo tempo, promovendo ambiente de trabalho saudável”, conclui o estudo da FGV.
Para outras empresas mais engajadas em sustentabilidade, conforme o relatório, a decisão de se juntar ao piloto reflete a ação dessas organizações em mudar a forma como o trabalho é executado, mostrando que é possível crescer criando espaço para o descanso e priorizando o bem-estar.
O resultado esperado, além da melhora da saúde mental dos colaboradores, é o aumento da produtividade e do desempenho financeiro, bem como a redução do turnover (rotatividade) de colaboradores e maior atração de talentos.
Lá fora
Em visita ao Brasil, no final de 2023, David Carvalho Martins, advogado trabalhista português e sócio do escritório Chiode Minicucci/Littler, falou sobre a experiência da jornada reduzida de trabalho em Portugal.
Segundo ele, os resultados não foram tão animadores por lá como foram na Nova Zelândia. Para ele, o modelo pode até ser eficaz para países mais desenvolvidos, mas não para os mais carentes, onde a renda é mais baixa, como Brasil e Portugal, que fica entre os mais pobres da União Europeia.
“A medida pode desencadear a oportunidade de os empregados arrumarem outros empregos para complementar a renda. E, se o objetivo era o descanso, ele acaba se revertendo em mais trabalho”, explica.
Para Renata, isso não invalida o programa. “Todos estão animados e engajados por aqui, mas sempre deixamos muito claro que este é um projeto de produtividade e não apenas redução de horas”, explica.
A especialista acredita que é possível que algumas pessoas consigam outros trabalhos para as horas de folga. “Mas pode ser um trabalho que traga mais realização e significado, o que não gera sobrecarga”, diz.
Ter mais tempo para passar com a família e ter relações com mais qualidade é o objetivo, mas, para a especialista, a possibilidade de alguém que tenha o sonho de trabalhar com um hobby também é qualidade de vida. “É claro que este projeto fala principalmente de trabalhos intelectuais, que precisam de momentos de recuperação de estresse”.
Repensar a carreira
Pesquisa recente, da empresa de educação Pearson, mostrou que 76% dos trabalhadores estão repensando suas carreiras, especialmente depois da pandemia de Covid-19. Outro estudo feito pelo Gallup apontou que 59% dos trabalhadores têm feito o mínimo possível, num movimento que ficou conhecido no mundo inteiro de “quiet quitting”, ou demissão silenciosa, em que o profissional faz apenas o mínimo necessário para manter o emprego. O burnout também vem avançando assim como seus custos, avaliados em cerca de US$ 322 bilhões em todo o mundo.
Outros estudos mostram que cerca de 73% das pessoas fazem outras coisas durante uma reunião, por exemplo, e 71% das reuniões são consideradas improdutivas e ineficazes, segundo Renata Rivetti, fundadora da Reconnect. “As reuniões são apontadas por 54% dos trabalhadores como o grande fator de perda de produtividade, por serem frequentes, longas e mal administradas com assuntos irrelevantes em 25% das vezes. Por isso, mostramos que uma agenda detalhada ajuda a diminuir o tempo de reunião em até 80%”.
Todos esses dados são considerados importantes, segundo o advogado David Carvalho Martins. Mas ainda há um dilema entre conciliação de vida familiar e necessidade das pessoas. “Além disso, há falta de incentivos do Estado e problemas em questões trabalhistas a serem vistos”, diz. Para ele, o modelo reduzido de trabalho precisará resolver questões ligadas à confidencialidade das informações, quando o funcionário trabalhar para um concorrente, ou problemas como acidentes de trabalho ocorridos no deslocamento entre vários empregos.
A questão trabalhista, inclusive, vem sendo umas grandes preocupações das empresas durante as discussões no Brasil. De acordo com Rivetti, há um grande receio em relação à CLT. Por isso, o projeto conta com uma assessoria jurídica que tem proposto acordos com categorias e sindicatos, “para não correr riscos e mostrar que a iniciativa é um projeto-piloto e que tudo pode voltar ao normal, se não funcionar, não configurando retirada de direitos adquiridos”.
*Fonte: InfoMoney
Leia a nossa edição impressa. Para receber as notícias do Diário de Aparecida em primeira mão entre em um dos dos nossos grupos de WhatsApp