por Eduardo Marques
Apesar dos avanços dos direitos das pessoas trans no Brasil, ainda há obstáculos. Um dos principais desafios é o combate à violência. Um dossiê divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) ontem (27), em Brasília, revela que 122 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil em 2024. Cinco delas eram defensoras dos direitos humanos. Esse número representa uma redução de 16% em relação a 2023, que registrou 145 assassinatos.
A queda no percentual, no entanto, não é nenhum alento. Os dados permanecem alarmantes. Pelo 16º ano consecutivo, o Brasil continua sendo o país com o maior número de assassinatos de transexuais e travestis. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram na tipificação da Lei do Racismo, até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre a matéria. Já em 2023, o Supremo equiparou ofensas praticadas contra pessoas LGBTQIAPN+ ao crime de injúria racial. Denuncie qualquer ato de transfobia para o Disque Direitos Humanos – Disque 100.
Das vítimas do ano passado, 117 eram mulheres transexuais e travestis, correspondendo a 95% do total, segundo a Antra. Somente cinco eram homens trans e pessoas transmasculinas. Segundo a entidade, a vítima mais jovem em 2024 tinha 15 anos. O perfil das vítimas é majoritariamente de “jovens trans negras, empobrecidas, nordestinas e assassinadas em espaços públicos, com requintes de crueldade”.
A Antra lembra que a identificação dos casos que constam do levantamento ocorre paralelamente ao acompanhamento oficial, justamente porque ele não contempla as ocorrências com vítimas LGBTQIA+ de maneira satisfatória. “O problema da subnotificação é evidente. Quando uma notícia chega aos jornais, seria natural imaginar que esses casos estariam registrados nos órgãos responsáveis, como delegacias, institutos médicos legais (IML) ou secretarias de Segurança Pública. Mas a realidade mostra o oposto”, lembra a entidade.
Mesmo com a ausência de dados oficiais qualificados, a Antra confirmou a existência de pelo menos 1.179 assassinatos de pessoas trans, travestis, homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias. Os anos com maior concentração de casos foram 2017, com 179, e 2020, com 175. Foi em 2017 que a organização começou a realizar a pesquisa detalhada.
Quanto à ordem de Estados com pior cenário em 2024, São Paulo lidera, respondendo por 16 assassinatos. Minas Gerais fica em segundo lugar, com 12 ocorrências, e o Ceará em terceiro, somando 11. “Nos Estados do Acre, Rio Grande do Norte e Roraima, não foram encontrados registros de assassinatos em 2024. Além disso, foi identificado um caso cuja localização não pôde ser determinada. Chama a atenção que pelo menos 68% (83 casos) aconteceram fora das capitais dos Estados, em cidades do interior”, acrescenta a Antra.
Na lista que leva em conta os registros acumulados por cada unidade federativa no período de 2017 a 2024, São Paulo continua no topo, com 151 casos. O Ceará, porém, sobe para a segunda posição, com 107 assassinatos, e a Bahia ocupa a terceira, com 97.
O relatório também situa o Brasil em relação a outros países. “Ao observar o primeiro ano em que a organização não governamental (ONG) Transgender Europe passou a organizar o ranking global em 2008, haviam sido notificados 58 assassinatos. O ano de 2024 mostrou aumento de 110% em relação a 2008, o ano que apresentou o número mais baixo de casos relatados, saindo de 58 assassinatos em 2008 para 122 em 2024.”
Em Goiás, cai o número de vítimas em 2024
O dossiê revela que duas pessoas trans e travestis foram mortas em Goiás no ano passado. Esse número representa uma redução de cerca de 33% em relação a 2023, que registrou três assassinatos. “É bom lembrar que não são apenas números. São pessoas com planos, com família, com pais e com amigos. Pessoas que tiveram a vida e os sonhos interrompidos. Não podemos pactuar com essa realidade. Exigimos respeito”, defende Francisco Mendes de Sousa, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de Goiás, ao Diário de Aparecida.
O presidente da entidade afirmou ser imprescindível que as pessoas que presenciarem suspeitas ou casos de violência recorram à denúncia. “É por meio desse serviço que podemos ter a dimensão de quais são os melhores passos a serem dados a fim de que tenhamos, cada vez mais, políticas mais eficientes e plurais”, aponta. Francisco defende uma articulação que envolva diversas pastas e esteja presente em níveis federal, estadual e municipal. “O governo precisa sair do armário e reconhecer que existe uma violência específica que precisa de esforços também específicos.”
Mesmo com esse cenário hostil, pessoas trans conquistaram direitos, como alterar nome e gênero nos documentos sem a necessidade de cirurgia de adequação sexual, a garantia do uso de nome social e o estabelecimento de um protocolo de atendimento específico no SUS. Para Mendes, ao analisar essas duas décadas de Visibilidade Trans, é possível perceber um “paradoxo enorme” em relação às conquistas e demandas. “Se, por um lado, nós somos um dos países mais avançados na conquista de direitos para a população trans – à frente de vários países que se pretendem progressistas e desenvolvidos –, por outro, a efetivação desses direitos e a garantia do acesso carecem de uma urgência”, explica.
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