Casos de violência em escolas disparam 254% em dez anos e expõem crise estrutural na educação
Número de vítimas passou de 3,7 mil em 2013 para 13,1 mil em 2023; automutilações e tentativas de suicídio cresceram 95 vezes no período
O Brasil vive uma escalada preocupante de violência no ambiente escolar. Entre 2013 e 2023, o número de vítimas em instituições de ensino aumentou 254%, passando de 3,7 mil para 13,1 mil registros, segundo levantamento da Revista Pesquisa Fapesp, com base em dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). O crescimento atinge toda a comunidade escolar, incluindo estudantes, professores e funcionários.
Entre os dados mais alarmantes está o salto expressivo das violências autoprovocadas — como automutilação, tentativa de suicídio e ideação suicida — que aumentaram 95 vezes no período, representando 2,2 mil dos casos reportados apenas em 2023.
A análise chama atenção para a degradação das condições de convivência nas escolas e o esgarçamento dos mecanismos de proteção e cuidado no ambiente educacional brasileiro.
Quatro formas de violência escolar
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), os episódios de violência nas escolas brasileiras se manifestam de quatro formas principais:
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Agressões extremas: ataques letais, planejados e executados com armas ou outras formas de violência intencional;
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Violência interpessoal: conflitos entre alunos, entre alunos e professores, incluindo hostilidades e atos discriminatórios;
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Bullying: práticas repetitivas de intimidação física, verbal ou psicológica;
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Violência institucional: ações ou omissões da própria escola que resultam em exclusão, como a ausência de materiais didáticos que contemplem diversidade racial, cultural e de gênero.
Além disso, o MEC considera o entorno escolar parte da equação da violência, incluindo ameaças externas como tráfico de drogas, assaltos e tiroteios, que ampliam a sensação de insegurança e vulnerabilidade dos estudantes e professores.
Desvalorização docente e discurso de ódio agravam o problema
O levantamento da Fapesp aponta que uma série de fatores estruturais contribuíram para o agravamento da violência nas escolas brasileiras na última década. Entre eles, destaca-se a desvalorização da figura do professor no imaginário coletivo, que tem reduzido o respeito à autoridade pedagógica e dificultado a mediação de conflitos em sala de aula.
Outro ponto de atenção é o avanço de discursos de ódio, muitas vezes tolerados no ambiente escolar e amplificados nas redes sociais, que têm naturalizado ataques relacionados a racismo, misoginia, xenofobia e LGBTQIA+fobia.
“Há um despreparo evidente de muitas secretarias de Educação para lidar com conflitos que envolvem discriminação. A ausência de protocolos formais agrava as tensões e deixa alunos e professores sem respaldo institucional”, avalia um especialista consultado pela reportagem.
Automutilação e saúde mental em colapso
O dado mais explosivo do levantamento é o avanço da violência autoprovocada, que cresceu 95 vezes entre 2013 e 2023. Segundo os dados do MDHC, isso inclui episódios de automutilação, ideação suicida, tentativas e suicídios consumados entre estudantes e até mesmo docentes.
A escalada tem colocado em xeque a capacidade da escola de oferecer acolhimento e suporte psicossocial. Estados e municípios enfrentam limitações orçamentárias e de pessoal para implementar equipes multidisciplinares e redes de proteção.
“Estamos diante de uma epidemia silenciosa de sofrimento psíquico nas escolas, agravada pelo isolamento digital, pela ausência de vínculos afetivos sólidos e por um ambiente hostil à diversidade”, aponta um pesquisador da área de saúde mental escolar.
Caminhos possíveis: prevenção e cultura de paz
Especialistas em educação e direitos humanos alertam para a urgência de uma política nacional integrada de enfrentamento à violência nas escolas, com foco em três eixos principais: formação continuada de professores, presença de profissionais de saúde mental nas instituições e programas de mediação e cultura de paz desde os anos iniciais.
O MEC reconhece a gravidade do cenário e tem investido em ações como o Programa Escola Segura, voltado à formação de gestores escolares, e o fortalecimento do Programa Saúde na Escola (PSE), que articula educação e saúde em ações preventivas.