Multa histórica na Europa mira Apple e Meta; tensão com os EUA se agrava
Empresas têm 60 dias para se adequar à nova lei digital europeia; especialista aponta risco de guerra regulatória entre blocos
A Comissão Europeia aplicou nesta quarta-feira (23) sanções bilionárias às gigantes americanas Apple e Meta, totalizando 700 milhões de euros (cerca de R$ 4,6 bilhões). As multas são as primeiras desde a entrada em vigor da Lei dos Mercados Digitais (DMA), nova legislação antitruste que redefine as regras para atuação de grandes plataformas no mercado europeu.
As punições geraram forte reação em Washington e reacenderam tensões entre Estados Unidos e União Europeia, especialmente após recentes críticas públicas do presidente Donald Trump, que classificou o regulamento como “discriminatório” e “hostil ao setor tecnológico americano”.
Por que a Apple e a Meta foram multadas?
A Apple foi penalizada em 500 milhões de euros (R$ 3,26 bilhões) por restringir desenvolvedores de direcionarem os usuários a alternativas de compra fora da App Store. A prática, segundo a Comissão Europeia, violava diretamente o princípio de “liberdade de escolha” previsto na nova lei.
Já a Meta, controladora de plataformas como Facebook e Instagram, recebeu uma multa de 200 milhões de euros (R$ 1,3 bilhão) pelo modelo “pague ou consinta”. A empresa exigia que usuários permitissem o uso de seus dados pessoais para publicidade direcionada ou, alternativamente, pagassem para acessar os serviços sem anúncios.
“Essas empresas foram enquadradas como gatekeepers, ou seja, controladoras de ecossistemas digitais inteiros. A Europa não quer mais que plataformas usem essa posição dominante para sufocar concorrência ou condicionar o acesso dos usuários”, explica a advogada e especialista em regulação digital, Camila Freire.
Reação das empresas e possível embate jurídico
Tanto Apple quanto Meta prometeram recorrer. Em nota, a Apple afirmou que a sanção “fere princípios comerciais básicos e força a empresa a entregar tecnologia proprietária gratuitamente”. A Meta, por sua vez, acusou a União Europeia de atuar de forma parcial, “penalizando empresas americanas enquanto ignora práticas similares de companhias europeias e asiáticas”.
Para Camila Freire, os argumentos jurídicos das empresas não devem prosperar com facilidade:
“A lei é nova, mas muito bem fundamentada. As sanções são só o começo de uma agenda regulatória que veio para ficar.”
Tensão transatlântica e resposta americana
O endurecimento regulatório europeu ocorre em um momento de crescente fricção entre os dois lados do Atlântico. Donald Trump já havia criticado abertamente o DMA, acusando a UE de criar barreiras comerciais não tarifárias contra empresas dos Estados Unidos. Em resposta, o republicano ameaça retaliar com novas tarifas sobre serviços digitais e produtos europeus.
O risco de uma guerra regulatória preocupa economistas e diplomatas. O bloco europeu, no entanto, mantém o discurso de que a legislação visa “proteger o consumidor e garantir competição saudável”, sem intenção de provocar desequilíbrios geopolíticos.
Empresas têm 60 dias para se adequar
Apple e Meta terão agora dois meses para se alinhar totalmente às normas da DMA. Em caso de descumprimento, poderão sofrer sanções adicionais — que podem chegar a até 10% do faturamento global anual — ou restrições operacionais dentro da União Europeia.
Além das penalidades, a Comissão Europeia decidiu arquivar duas investigações paralelas. Uma delas envolvia o navegador Safari, da Apple, e a outra o Facebook Marketplace. As adequações feitas pelas plataformas nesses casos foram consideradas suficientes.
Nova era na regulação digital
A Lei dos Mercados Digitais representa um divisor de águas na regulação das big techs. Voltada a empresas com poder estrutural no mercado digital, a norma exige, entre outras obrigações: interoperabilidade, fim do tratamento preferencial a produtos próprios e mais transparência no uso de dados dos usuários.
Segundo Camila Freire, a tendência é que outros blocos, como o Mercosul e a União Africana, avancem em legislações similares:
“A regulação digital será um dos principais campos de disputa global nos próximos anos. Quem definir as regras, definirá também o futuro da inovação.”