Apego a bonecos reborn divide opiniões e acende alerta sobre saúde mental, aponta pesquisa
Levantamento revela que 49% dos brasileiros defendem que a prática seja desencorajada. Para 31%, o apego pode gerar danos emocionais. Especialistas apontam reflexo das angústias contemporâneas — e famílias vivem o dilema entre acolher ou intervir.
Quando percebeu que a filha de 17 anos passou a dedicar horas diárias cuidando de um bebê reborn, com banho, mamadeira, carrinho e hora do sono, a empresária Renata Almeida, de 42 anos, entendeu que não era mais uma simples brincadeira. — No começo, achei curioso. Parecia um hobby, uma distração. Mas, aos poucos, ela foi criando uma rotina com o boneco, como se realmente fosse um bebê. Comecei a me perguntar se isso estava ocupando um espaço emocional maior do que deveria — conta.
A preocupação cresceu quando a adolescente começou a recusar alguns convites para sair com amigos e preferia ficar em casa “cuidando” do boneco. — Foi quando decidi procurar ajuda. Hoje ela faz acompanhamento com uma psicóloga, que tem nos ajudado a entender o que está por trás desse apego. Não é sobre o boneco, é sobre as dores emocionais que ele simboliza — afirma Renata.
O relato reflete um dilema vivido por muitas famílias. Pesquisa inédita realizada pela Hibou, especializada em comportamento de consumo, revela que 49% dos brasileiros acreditam que o apego afetivo aos bebês reborn deve ser desencorajado, por representar risco de distanciamento emocional da realidade. Outros 31% avaliam que essa prática pode causar danos emocionais.
O levantamento foi realizado com 1.594 pessoas, maiores de 18 anos, em todo o país, nos dias 21 e 22 de maio de 2025. Embora o tema ganhe cada vez mais visibilidade nas redes sociais, o estudo mostra que o julgamento social é expressivo e o espaço para empatia é reduzido.
Entre o afeto e a fuga da realidade
Para a psicóloga e pesquisadora em saúde mental coletiva, Dra. Vanessa Moura, o apego aos reborns pode ter significados diversos, dependendo do contexto emocional de quem o adota. — Em situações de luto, ansiedade, solidão ou dificuldade de estabelecer vínculos, o boneco pode servir como uma espécie de apoio simbólico. Mas, quando começa a substituir relações humanas, a impactar a vida social ou gerar isolamento, o alerta é legítimo — explica.
O desconforto social é evidente. Segundo a pesquisa, 38% dos entrevistados achariam absurda a cena de um adulto empurrando um carrinho com um reborn ou dando mamadeira em público, embora não reagissem. Outros 12% sugeririam que a pessoa repensasse o comportamento, e 4% dizem que confrontariam diretamente. Apenas 1% demonstraria empatia ou carinho.
Julgamento social e reflexo das angústias contemporâneas
Vanessa Moura também destaca que o julgamento costuma ser mais severo quando o comportamento envolve mulheres. — A sociedade naturaliza o afeto destinado a pets, mas questiona e estigmatiza quando esse cuidado é direcionado a um objeto que simboliza o cuidado humano. Isso reflete tanto uma dificuldade coletiva de lidar com expressões não convencionais de afeto quanto a pressão social sobre os papéis femininos — avalia.
Os dados reforçam essa percepção. Quando questionados sobre como a sociedade deveria lidar com esse tipo de vínculo, 28% defendem que seja acompanhado por profissionais de saúde, enquanto 17% acreditam que só deveria ocorrer em situações específicas, como luto ou apoio psicológico. Apenas 4% consideram o apego algo legítimo, e 2% acreditam que deveria ser incentivado como estratégia terapêutica.
Renata resume o dilema que muitas mães enfrentam: — Como mãe, eu fico dividida entre acolher e proteger. Por isso buscamos apoio psicológico. Hoje entendo que o boneco é só a ponta do iceberg. É um reflexo de questões emocionais mais profundas, que precisam ser olhadas com cuidado — afirma.
À medida que o fenômeno cresce, o debate sobre os bebês reborn transcende o universo dos colecionadores e se conecta diretamente com discussões contemporâneas sobre saúde mental, solidão, afetividade e os limites entre hobby, terapia e fuga da realidade.