A violência contra mulheres indígenas mais que triplicou no Brasil entre 2014 e 2023. Segundo levantamento inédito da Gênero e Número com base em dados do Ministério da Saúde, os registros de agressões físicas, psicológicas e sexuais contra mulheres indígenas aumentaram 258% em dez anos, superando a média nacional de crescimento da violência contra mulheres de todas as raças (207%). Os feminicídios — forma mais extrema de violência de gênero — aumentaram 500% no mesmo período.
O crescimento mais alarmante ocorreu nos casos de violência sexual, que saltaram 297% entre mulheres indígenas, enquanto a média nacional cresceu 188%. Para especialistas ouvidos pela reportagem, os dados revelam uma realidade historicamente negligenciada e invisibilizada pelo Estado brasileiro.
“As mulheres indígenas enfrentam múltiplas barreiras. A violência não é só de gênero, mas também territorial, institucional e cultural”, afirma uma especialista em direitos indígenas que atua em comunidades da região Norte.
Invisibilidade e subnotificação
Embora os dados oficiais indiquem uma escalada da violência, a realidade pode ser ainda mais grave. Casos de agressões e estupros em comunidades indígenas frequentemente não são notificados, seja por barreiras linguísticas, isolamento geográfico, medo de represálias, ou desconfiança nas instituições do Estado. A ausência de políticas específicas e a presença muitas vezes conflituosa de forças de segurança agravam o cenário.
“O silêncio que cerca a violência contra mulheres indígenas é imposto por estruturas coloniais que seguem operando no Brasil”, aponta uma liderança da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), que reúne representantes de mais de 170 povos.
Avanços legislativos ainda pontuais
A criação de legislações específicas para mulheres indígenas ainda é limitada. Um exemplo isolado é a Lei Diana Pitaguary, sancionada em 2023 no Ceará, que institui uma semana anual de discussão sobre violência de gênero nas escolas indígenas do estado, como forma de preservar a memória da jovem indígena assassinada em 2021.
No entanto, a maioria das mulheres indígenas ainda depende da Lei Maria da Penha, cuja aplicação enfrenta desafios concretos nas aldeias, como a falta de delegacias, atendimento especializado e intérpretes.
Pressão por políticas públicas e justiça territorial
A Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em Brasília desde 2019, tem sido uma das principais formas de denúncia e mobilização. O movimento reivindica políticas específicas, orçamento para ações nos territórios, proteção das lideranças e criação de protocolos que respeitem as culturas dos povos originários.
Para o movimento indígena, não basta integrar dados raciais nos boletins de ocorrência. É necessário que as ações estatais reconheçam as especificidades culturais, linguísticas e territoriais das mulheres indígenas.
“Nossos corpos não são territórios de conquista. Queremos viver com dignidade e justiça”, declarou uma jovem liderança da etnia Guarani Mbya durante a última edição da marcha.
O que dizem os dados:
-
Aumento de 258% nos registros de violência contra mulheres indígenas (2014–2023)
-
Violência sexual cresceu 297% nesse grupo
-
Feminicídios saltaram 500% na década
-
Crescimento médio da violência contra mulheres no Brasil: 207%