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Em pesquisa inédita, UFG avalia consequências globais da seca extrema

Escassez de chuva pode reduzir o crescimento das plantas acima do solo, em campos e pastagens, em cerca de 35%, em média

Com o aquecimento global e a maior sensação de calor no cotidiano, a crise climática se tornou evidente. As previsões não são otimistas e apresentam cenários em que diversas partes do planeta tendem a enfrentar com maior frequência as secas extremas de curto prazo, consideradas raras por ocorrerem uma vez a cada 100 anos.

Um estudo inédito, padronizado em escala global, e realizado em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), avaliou as possíveis consequências ecológicas desse fenômeno, que pode se tornar cada vez mais comum. De acordo com os resultados, a escassez extrema de chuva pode reduzir o crescimento das plantas acima do solo, em campos e pastagens, em cerca de 35%, em média.

“Isso significa que o efeito negativo das secas extremas na produtividade do solo foi 60% mais grave do que o reportado até agora na literatura. Estudos anteriores estimavam uma redução no crescimento das plantas de 12,6% a 19% e nós mostramos que esses valores podem chegar a mais de 42% em alguns locais mais secos, com redução de 34,5% na média global”, explica o professor Instituto de Ciências Biológicas da UFG, Marcus Cianciaruso, um dos autores do estudo. “Os impactos globais foram subestimados”, afirma.

O estudo, liderado por duas pesquisadoras da Universidade do Estado do Colorado (EUA), envolveu mais de 170 pesquisadores que fazem parte da Rede Internacional Drought Net e acompanhou a resposta de 100 regiões localizadas em seis continentes, ficando de fora somente a Antártica. “O experimento foi padronizado. Todas as regiões fizeram a simulação de seca seguindo o mesmo protocolo, ou seja, uma metodologia comum”, explica Marcus.

A seca extrema foi definida como aquela equivalente à precipitação registrada no ano mais seco dos últimos 100 anos dos respectivos locais estudados. Em 44 regiões foram simulados os eventos historicamente extremos de falta de chuva, durante pelo menos uma estação de crescimento completa, ou seja, um ano. Em 56 locais foram projetadas secas menos severas, que correspondem à variabilidade natural das chuvas durante o ano. O objetivo foi medir a produtividade primária, que diz respeito à capacidade da vegetação crescer acima do solo e produzir biomassa por meio da fotossíntese.

Para os locais que sofreram secas extremas, a produtividade foi reduzida em cerca de 35% em média. Em vegetações campestres o crescimento das plantas foi mais impactado do que em vegetações arbustivas, com reduções na produção primária de cerca de 38% e 21% respectivamente. Já nas regiões onde se projetou secas menos severas, consideradas normais, o crescimento das plantas acima do solo foi suprimido em 21%, sem grandes variações em relação ao ecossistema. De acordo com o estudo, a redução da produtividade primária “foi maior em ecossistemas mais secos e com menos espécies de plantas”, sendo esses locais “mais vulneráveis ​​à seca extrema”.

As vegetações campestres, de acordo com o estudo, cobrem mais de 40% da superfície terrestre livre de gelo, são encontradas em todas as regiões do globo e armazenam mais de 30% do estoque mundial de carbono. “É a primeira vez que um esforço dessa magnitude é realizado para entender o efeito das secas na produtividade de ecossistemas campestres. Isso destaca a importância da colaboração internacional e dos esforços globais de pesquisa para o avanço do conhecimento científico”, afirma o professor da UFG.

Em área de cerrado plantas cresceram 33% menos 

No Brasil, foram avaliados três ecossistemas campestres distribuídos em quatro áreas: uma no Nordeste, outra no Rio Grande do Sul, e duas no Parque Nacional das Emas, em Goiás. O professor da UFG, Marcus Cianciaruso, foi o responsável por acompanhar as respostas em dois campos cerrado no Parque Nacional das Emas, sendo que um deles faz parte do manejo de fogo e é queimado a cada três anos. “Encontramos resultados apenas na área que não sofre manejo do fogo, muito provavelmente porque nas áreas onde o fogo é utilizado a biomassa já é bastante baixa”. Segundo o pesquisador, a área de cerrado foi a que mais sofreu o impacto da seca extrema em comparação com as outras avaliadas no Brasil. A perda de produtividade primária foi de 33%.

“Reduzimos a precipitação em 25% daquela esperada para anos ‘normais’ de chuva na região, ou seja, simulamos um cenário onde a precipitação anual fosse três quartos daquela que é esperada”, contou Marcus. Com a redução da chuva, a biomassa produzida foi quase um terço do esperado, segundo o pesquisador. “Ou seja, as plantas cresceram 33% menos”.

Entre as consequências da falta extrema de chuva, a mais preocupante, segundo o professor, diz respeito à redução na capacidade de remoção do CO2 da atmosfera. O cenário também pode levar a menor produção de flores e frutos no ecossistema e impactar a oferta de recursos para a “fauna de herbívoros”. “Tem o potencial de desencadear efeitos em cascata”.

A menor cobertura de plantas no solo, explica o professor da UFG, pode levar a sua maior exposição e evaporação de água, desencadear ou aumentar processos erosivos e, consequentemente, dificultar a recarga dos aquíferos naturais. “O Cerrado, por exemplo, é conhecido como uma enorme ‘caixa d’água’ subterrânea. As maiores bacias hidrográficas da América do Sul têm rios importantes que nascem no Cerrado. Então, o problema é quase que autoexplicativo”, diz.

Para se ter ideia, um recente estudo publicado na Nature e citado pelo professor identificou em diversas regiões do Cerrado uma redução na precipitação de até 50%, muito maior do que os 25% simulados no Parque Nacional das Emas. “Se tudo continuar como está –  e aqui incluo as políticas públicas e a forma com a qual nos relacionamos com o meio-ambiente -, as perspectivas futuras não são muito animadoras”.

 

 

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