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Árvores derrubadas na 136 podem aumentar calor e diminuir umidade relativa do ar na região

Pesquisa desenvolvida pela PUC de Goiânia aponta ligação entre existência de árvores de grande porte e bons índices climáticos

Na última semana Goiânia, capital de Goiás, viu o debate sobre a derrubada de árvores voltar às primeiras páginas do noticiário. Isso aconteceu após 86 árvores de 15 espécies terem sido derrubadas, com a autorização da Agência Municipal do Meio Ambiente de Goiânia (AMMA). 

As árvores ficavam em um terreno de 5 mil metros quadrados, que era parte do patrimônio da União e foi leiloado pelo governo Bolsonaro, na avenida 136, no Setor Sul, na divisa com o Setor Marista. A região está entre as três mais valorizadas pelo mercado imobiliário da capital. 

 

Derrubada de árvores na 136 teve autorização da Amma
Derrubada de árvores na 136 teve autorização da Amma

Durante toda a semana, especialistas destacaram que a derrubada dessas árvores em uma região bem próxima a nascente do Córrego Buriti, que é a principal nascente do Bosque dos Buritis e do Lago das Rosas, pode piorar problemas urbanos como os alagamentos que acontecem em vários pontos críticos da capital, principalmente em pontos que passam pelo corpo deste córrego. 

A derrubada aconteceu em uma semana que começou com chuvas fortes que causaram alagamentos no domingo, 19 de fevereiro,  e na terça-feira, 21, em diversos pontos da cidade. Por conta disso, a cidade já estava se questionando sobre ações para conter esses problemas que crescem desde 2012 e se ampliam grandemente. 

O engenheiro Civil e Conselheiro do Crea-GO, Henrique Toledo Santiago destaca que é preciso uma política pública séria de contenção das águas pluviais nos bairros que estão recebendo grande verticalização
Legenda: O engenheiro Civil e Conselheiro do Crea-GO, Henrique Toledo Santiago destaca que é preciso uma política pública séria de contenção das águas pluviais nos bairros que estão recebendo grande verticalização

 

O engenheiro Civil e Conselheiro do Crea-GO, Henrique Toledo Santiago, explicou com exclusividade para a equipe do Diário de Aparecida,  que é preciso investimento para atualização do sistema de água pluvial, principalmente nos bairros que estão recebendo grande verticalização, como Setor Sul, Marista, Baixo Bueno e  Setor Oeste.

O engenheiro explicou também que as árvores têm uma função muito importante no processo de contenção das águas: absorver a chuva e diminuir o impacto da queda da gota de água no chão. Santiago disse ainda que é preciso que um trabalho de recuperação do escoamento pluvial seja executado; que uma política séria de educação ambiental seja reiniciada para que a população se conscientize sobre não jogar lixo nas ruas; e , que, sobretudo, é preciso discutir sobre a permeabilização do solo e a arborização da cidade.

De acordo com professores da Universidade Federal de Goiás (UFG), a derrubada das árvores do lote da 136 pode gerar problemas graves resultantes da perda de vegetação e permeabilização do solo, justamente o assunto que já vinha sendo discutido por conta dos alagamentos dos últimos meses.

Para os docentes da UFG, é  possível a  ampliação e aumento da intensidade dos  alagamentos na região de onde o corpo do Córrego dos Buritis passe com a derrubada das árvores e com  a construção  de um novo empreendimento no lote da 136.

Entre os pontos preocupantes, que estão na lista de pontos críticos de alagamentos em vias públicas de Goiânia – que foi elaborada pela defesa civil da cidade, destacam-se a Rua 87 com Avenida Cora Coralina e Rua 132, no Setor Marista; além da Avenida Assis Chateaubriand, na região próxima ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

O engenheiro agrônomo e Conselheiro do Conselho de Engenharia e Agronomia de Goiás,  Antônio Pasqualetto, explica que a presença das árvores está diretamente ligada a boa umidade relativa do ar e temperatura amena
O engenheiro agrônomo e Conselheiro do Conselho de Engenharia e Agronomia de Goiás,  Antônio Pasqualetto, explica que a presença das árvores está diretamente ligada a boa umidade relativa do ar e temperatura amena

O engenheiro agrônomo e Conselheiro do Conselho de Engenharia e Agronomia de Goiás,  Antônio Pasqualetto, explicou que a derrubada das árvores é preocupante porque pode gerar problemas graves resultantes da perda de vegetação e permeabilização do solo. Ele  concorda com os professores da UFG sobre a  ampliação e aumento da intensidade dos  alagamentos na região  da construção e ao longo de todo o caminho percorrido pelo  Córrego dos Buritis. 

Segundo ele, no terreno de 5 mil metros quadrados  da 136, que é o debate da semana, em um dia de uma chuva muito forte de 100 milímetros, 100 litros por metros quadrados. “Se esses 100 litros por metros quadrados deixam de cair em uma região arborizada e caem em uma área supostamente impermeabilizada, eu não vou dizer que cem por cento da área vai ser impermeabilizada porque a legislação exige que os projetos tenham pontos de infiltração de água, mas vamos considerar que esses cinco mil metros sejam todos impermeabilizados, teremos 500 mil litros de água que não vão ser infiltrados que vão ter que escoar de alguma maneira. Algo vai acontecer. Ou essa água vai cair lá pro lado do córrego Botafogo ou ela vai cair para outras partes da cidade conforme a declividade, dependendo da tubulação da drenagem:, detalhou.   

Pasqualeto explicou que o solo permeável permite a absorção da água, mas que em locais onde há muita construção isso não acontece. Dessa maneira,  a água passa a correr mais rápido e isso pode levar ao aumento da intensidade das enxurradas.

O engenheiro agrônomo enfatizou o que o também engenheiro Santiago já havia dito:  que as árvores são muito importantes para  diminuir o impacto da gota da chuva no solo. Segundo ele, quando a chuva bate na planta, ela cai no chão com menor impacto e tem maior chance de absorção, pois rola mais devagar.

Outro fator apontado por Pasqualeto que pode ser prejudicial à região com a subtração das árvores é o aumento da temperatura do microclima. ” Se você for a um parque vai ver como aquela região é mais úmida e fresca. Isso acontece devido a existência das árvores. Quando elas são retiradas, nosso clima,  que já apresenta escala desértica em algumas regiões do ano,  tende a ficar mais seco e quente.

Pesquisa revela que onde há maior número de árvores de grande porte, a temperatura é menor 

A pesquisa descobriu que os parques que tem vegetação maior e mais fechada tem mais umidade relativa do ar e menor temperatura
A pesquisa descobriu que os parques que tem vegetação maior e mais fechada tem mais umidade relativa do ar e menor temperatura

Pasqualeto disse ao Diário de Aparecida que as árvores, que não estão sendo valorizadas em toda a região metropolitana de Goiânia, são fundamentais para uma outra questão pouco discutida nestes últimos dias: a manutenção de um microclima, que é um clima nos bairros, agradável e que tenha umidade e conforto ambiental necessários para a boa qualidade de vida. O engenheiro agrônomo disse que nos parques da cidade e em condomínios que preservaram as árvores, a exemplo do Aldeia do Vale, o clima é mais ameno e mais úmido graças a presença das árvores.

“Eu sou sempre um grande defensor das árvores. A função delas na urbanidade é essencial e poucas vezes valorizada. Se tivéssemos mais apreço e respeito pelas árvores, não estaríamos registrando há mais ou menos 15 anos umidade relativa do ar, clima e sensação térmica de deserto nos meses de seca”, enfatizou Pasqualeto. 

O engenheiro agrônomo afirmou que ainda há equívocos sobre as árvores que devem ser plantadas para a preservação da umidade e da qualidade de vida. “Os ipês são árvores lindas, mas são árvores que no período da seca perdem as folhas para preservar a sua umidade e garantir a sua vida. Precisamos de árvores que mantenham as folhas”, pontuou.

Um estudo chamado A Influência dos Parques Urbanos no Microclima de Goiânia, desenvolvido por Ana Paula Moreira Rodrigues  e Antonio Pasqualetto ,  da PUC Goiás, com a participação de Anna Luiza Oliveira Garção da UFMT, em 2017, averiguou como o   crescimento do tecido urbano alterou o microclima das cidades de alguns parques urbanos de Goiânia.

A pesquisa avaliou os Parques Areião, Lago das Rosas, Bosque dos Buritis e Flamboyant durante os meses de março, abril e maio de 2013. No período foram realizadas coletas de campo para estimar os valores de temperatura e umidade relativa do ar.

A análise constatou uma significativa diferença de temperatura fora dos parques e entre os parques. Além disso, utilizando o método de regressão linear, estimou-se as variáveis temperatura e umidade para o ano de 2026.

Os resultados da pesquisa apontam que a diferença climática dos parques para a região do entorno é imensa, ultrapassando, em alguns casos, oito graus. De acordo com a pesquisa, quanto maior o número de prédios na região, maior a diferença climática. O mesmo acontece com a umidade relativa do ar. 

 A pesquisa concluiu ainda que existe forte influência dos parques urbanos no micro-clima local. A explicação encontrada pelos pesquisadores é de que  as árvores dos parques têm a capacidade de amenizar as temperaturas locais e aumentar a umidade relativa do ar.

O estudo aponta ainda que a presença das plantas influencia no aumento da umidade local, dando uma melhor sensação térmica e de conforto,gerando consequentemente maior qualidade de vida.

 Além da diferença entre os parques e as áreas externas,  a análise observou que há diferenças entre os próprios parques. Foi visto que dentre os parques, aquele com menores temperaturas e maior umidade relativa é o Bosque dos Buritis, atingindo uma umidade média geral de 51%, e temperatura de 30,2 °C. Foi observado também que a umidade relativa atinge 54% quando em local sob a sombra das copas das árvores.  O estudo aponta que isso acontece por ser ele o mais arborizado, o que  possui maior densidade na vegetação,com mata fechada e cascatas no seu interior.

O Lago das Rosas, por sua vez,  foi diagnosticado como parque com maior valor de temperatura média : 31,3  °C  e  umidade  relativa  de  45%.   Mesmo  sendo  o  mais  antigo  de Goiânia criado na década de 1940, o parque passou por processos de revitalização, que acabaram por substituir vegetação nativa densa por novas em fase jovem que não proporcionam sombra e não armazenam água de maneira suficiente para alterar níveis de umidade relativa do ar. 

O estudo apontou que o Bosque dos Buritis tem temperatura mais amena e melhor umidade relativa do ar que todos os outros parques estudados, devido a sua vegetação ser mais robusta e ter menos áreas abertas. 

 A pesquisa concluiu que os parques são essenciais para a manutenção do clima e da umidade relativa do ar,  visto que eles impactam diretamente as regiões onde estão.  Segundo a análise, “os parques urbanos auxiliam na regulação dos fatores umidade e temperatura dentro das áreas urbanas, apesar da grande densidade de residências e demais formas de uso e ocupação ao redor”.

O engenheiro agrônomo Pasqualeto, que é um dos autores do estudo, destacou que a derrubada dessas 86 árvores na região sul de Goiânia terão impacto direto na umidade e na temperatura da região, mesmo que outras mudas sejam plantadas em outros locais da cidade.  De acordo com ele, árvores de porte maior, que fornecem sombra são as que  mais auxiliam na manutenção e melhora do clima.  “Mesmo que seja feito um reparo ambiental em outra região da cidade, o local no qual as árvores foram retiradas será impactado com mais calor e menos umidade relativa do ar”, explicou.

O que diz a proprietária do lote da 136?

Igor Sebba, diretor do  Grupo IS Marista, responsável pelo terreno da Av. 136, em Goiânia, disse que as árvores que estavam no terreno não eram árvores nativas. Segundo ele,  eram árvores que já haviam sido plantadas anteriormente e, que muitas delas, já estavam caindo sobre os muros, durante as chuvas. 

Ele disse ainda que essas árvores foram plantadas para fazer sombra para um campo de futebol que havia no local. “Como elas eram podadas apenas pelo lado de dentro, quem passava pela rua tinha a impressão que era um bosque fechado de árvores, mas, na verdade, elas estavam lá para fazer sombra para o campo de futebol”, explicou.

Imagem fornecida pelo empreendedor mostrando que havia um campo de futebol no local e as árvores estavam às margens.
Imagem fornecida pelo empreendedor mostrando que havia um campo de futebol no local e as árvores estavam às margens.

O empresário destacou ainda que  o Grupo IS Marista tem todas as autorizações e fez toda a documentação de acordo com o que pede o novo Plano Diretor de Goiânia. Ele destacou que o início do trabalho foi autorizado na última semana de janeiro, quando o novo Plano Diretor já estava em vigor. 

Igor esclareceu ainda que o local não é uma Área de Proteção Permanente (APP), que são locais que estão até 100 metros às margens das nascentes de água.  “A nascente está há 350 metros e fica no Clube dos Oficiais. A essa distância ela está totalmente fora do raio de qualquer legislação para nascente”, explicou.

Mapa fornecido pela construtora mostra que nascente de água está há 354 metros do terreno e das árvores que foram derrubadas
Mapa fornecido pela construtora mostra que nascente de água está há 354 metros do terreno e das árvores que foram derrubadas

Sobre a “supressão das árvores”, que é o termo técnico para a derrubada, ele destacou que todo o trabalho foi feito dentro de toda a legalidade e seguindo todas as orientações da Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA). “Antes de iniciar fizemos inclusive a compensação ambiental com  a doação de 3150 árvores para a AMMA. Eles pediram 3040 e nós doamos 100 árvores a mais para fazer a compensação ambiental para a prefeitura. Essas mudas a prefeitura de Goiânia vai plantar em áreas degradadas do município”, explicou.



Fernanda Cappellesso

Olá! Sou uma jornalista com 20 anos de experiência, apaixonada pelo poder transformador da comunicação. Atuando como publicitária e assessora de imprensa, tenho dedicado minha carreira a conectar histórias e pessoas, abordando temas que vão desde política e cultura até o fascinante mundo do turismo.

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